Arte de pedalar e direito de espernear

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O esperneio de Dilma”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, fez do que ameaçava – entrou com ação no STF. Pede anulação dos atos do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em curso na Câmara dos Deputados.

Refere-se a cerceamento de defesa e ampliação do objeto daquele. Afirma da possibilidade de novas ações, a judicializar a questão. Nega que a ação tenha motivação política, frisando não estar ganhando tempo – pois luta pelo que acha justo.

Pura chicana. Dilma não usa, abusa do direito de recorrer ao Poder Judiciário. E o faz por desespero – para melar julgamento que se avizinha, pelo prognóstico do virtual impeachment, apesar do balcão de negócios estabelecido com o dinheiro público para comprar a consciência de parlamentares – mais um crime, dentre tantos outros.

Ora, o processo está nos conformes. E imune ao jogo de palavras de Cardozo, verborrágico. De fato, o impeachment tem natureza jurídico/política e só se dá ao Judiciário conferir do cumprimento formal do procedimento, sob pena de usurpar função privativa do Poder Legislativo.

E o advogado-geral sabe que a ação tem nítida natureza política, a tentar-se, exclusivamente, ganhar tempo – para afastar o inevitável desfecho da demissão da presidente por justíssima causa.

É o chamado ‘direito de espernear’. E como Dilma esperneia! Diante de si, a vontade do grosso da população e a lei – em cujo contexto se insere o regimento da Câmara, observado. Apesar disso, negando todas as evidências, não se dá por vencida. Porém, será demitida.

O relatório que encaminhou a proposta de impedimento da presidente está formalmente em ordem, juridicamente consistente. É por aí, pelo campo do Direito e a se utilizar uma vez mais do STF, que se pretende dar mais um golpe no sofrido povo brasileiro.

Dilma já não diz coisa com coisa, não junta lé com cré. E Cardozo, estafeta oficial, tenta ganhar tempo, com a consciência exata de que luta pelo que sabe injustificável e injusto. É da estratégia da presidente: aparelhar o maior número possível de ações para atravancar o processo – bem de seu feitio!

Ficou claro, quando da exposição do relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), da delimitação da acusação às questões fiscais. O Palácio do Planalto e o mensageiro Cardozo sempre souberam disso. Esperaram ver até onde ia a situação, que, agora, contrária a seus interesses, os faz movimentar os últimos recursos no sentido de também usarem o Judiciário, jogando-o contra a Nação brasileira.

E qual foi o cerceamento de defesa? Nenhum! Mais um argumento vazio na busca da prevalência do circo montado pelo governo para evitar o cadafalso – aparentemente, próximo. E os ministros do STF haver-se-ão disto aperceber, para bem proceder. É do que se espera.

O advogado-geral alude a vícios insanáveis. Certos estamos, os brasileiros de bem, que o único vício insanável é o PT, Lula e Dilma Rousseff, legítimos representantes dum Brasil menor, apequenado em seus princípios ético/morais – pelo maior escândalo de corrupção de que o mundo tem notícia.

E, na guerra de poder estabelecida, Dilma quer ganhar o jogo no tapetão – fora do campo da normalidade institucional; agora, sob a égide, como há de ser, do Legislativo brasileiro. Certamente, vai-lhe à cabeça o pensamento de que tentar vale a pena – vai que funciona! E, se funcionar – mesmo não tendo como –, aí sim, de vez, o Brasil naufraga!

Como regra, os ministros do STF recusam interferir em questões da alçada doutro Poder. Cardozo quer emplacar a tese da indevida ampliação do objeto do processo, conquanto saiba que a delação de Delcídio do Amaral não está no relatório aprovado pela Comissão do Impeachment. De igual forma, as pedaladas fiscais de 2014.

Jovair Arantes – o relator – cercou-se de todos os cuidados, justamente para evitar controvérsia. Isso, abstraindo-se do fato de que não é incomum a agregação de dados novos ao processo. Assim não fosse, pois o princípio é o mesmo, se, nesse meio tempo, surgissem elementos favoráveis a Dilma, a evidenciarem-na inocente, não haveriam de compor o conjunto de dados suscetíveis de apreciação pelos deputados?

José Eduardo Cardozo, agindo como age, enterra possível futuro político. Vai além, denegrindo o que de virtuoso pudesse haver no seu passado – para me servir de pertinente observação do jornalista Reinaldo Azevedo.

É ele, Cardozo, instrumento de teses repetidas, superadas na Comissão do Impeachment e que não foram fortes, o suficiente, então, para evitar a apresentação da defesa de mérito. Já sabia ele, pois bronco não é, que se teria de valer do enfrentamento das questões no Judiciário.

E agora, às vésperas e no limiar dum julgamento plenário da Câmara dos Deputados, propositalmente, com objetivo não confessado, conquanto claramente percebido, busca decisão monocrática, por via de liminar dum ministro do STF, que faça a vez da ‘saída’ avidamente buscada.

Lula, Dilma, o PT e Cardozo sabiam que, não desse certo o delito da compra de votos com o dinheiro do povo – como parece não ter dado –, teriam de recorrer ao tapetão. Óbvio: sempre sob a capa da aparente normalidade do exercício de um direito, farsa facilmente deposta pela distinção, que se faz, dum pleito legítimo, fundado nas leis, da simples tentativa de tumultuar o processo.

Nesse contexto, Dilma, que já se revelara exímia na arte de pedalar, para ao país arrasar, também se mostra mestra na habilidade de espernear – pois só pensa em ganhar, em se safar, em continuar ao Brasil azarar. Esperneie Dilma, esperneie sem parar. No final, ressoará a voz incisiva de um país a se libertar.
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