Sobre o eventual impedimento de Eduardo Cunha

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O impedimento de Cunha“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

 

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É do conhecimento geral que o Procurador-Geral da República pediu o afastamento do atual presidente da Câmara dos Deputados do cargo que ocupa em petição apresentada em dezembro de 2015.

O artigo 319 do CPP traz um rol de medidas cautelares, alternativas à prisão, que devem ser suficientes para atingir o desiderato de mantê-los sob controle e vigilância.

Concentram-se os requisitos na necessidade e adequação(artigo 282, I e II, do CPP), que estão intimamente ligados ao princípio da proporcionalidade. Assim a análise com relação à gravidade real da conduta é o índice a ser levado em conta para atendimento da medida, ou seja, sua adequação.

Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referencia com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida e ainda uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.

Tais ilações foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso, ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação ás vantagens do fim.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do principio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

De pronto, direi que é insustentável a aplicação do poder geral de cautela, tão falado e aplicado no processo brasileiro, em relações civis, mister patrimoniais, mas que não se concilia com o status libertatis. Aliás, ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido processo legal (artigo 5º, LIII, CF).

A medida cautelar pessoal há de estar prevista em lei e que tenha finalidade em lei. Ademais, deverá respeitar ao primado do menos gravoso, que imbui a necessidade de um juízo de proporcionalidade, de sorte a permitir o perfeito controle da pertinência e adequação e ainda validade da medida.

A ideia da legalidade no direito processual penal é encontrada nos Códigos de Portugal, Itália, no Chile, por exemplo.

Há quem entenda que o Supremo Tribunal Federal pode afastar Eduardo Cunha de ofício, com a aplicação do artigo 86 da Constituição.

A questão é saber se o artigo se aplicaria também a substitutos do presidente.

Se for recebida (pelo STF) a denúncia contra o presidente da República, ou uma queixa-crime, ele deve ficar afastado do cargo por 180 dias. É uma regra equivalente à do impeachment. Há quem entenda que isso se aplica também a seu substituto (do presidente da República) que, assim, não poderia estar a exercer cargo se teve uma denúncia contra si recebida. Poderia ser, então, aplicado ao presidente da Câmara. —Cunha, inclusive, passaria a ser, na prática, o vice-presidente da República, caso seja aprovado o impeachment de Dilma, e Temer assuma o posto.

O artigo 86, combinado ao parágrafo 1º, inciso 1º, define que o presidente da República “ficará suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal”. Esse dispositivo se aplicaria para os que estão diretamente na linha sucessória presidencial, como o vice-presidente da República e os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal – este, o último da linha sucessória.

Esse afastamento, no entanto, seria por um período de 180 dias, tal como se dá, pela Lei 1079/50, para a presidente da República que está em processo de impedimento, diante de decisão de juízo de pronúncia pelo Senado Federal por metade mais um de seus membros, se isso vier a acontecer no prazo de até dez dias úteis, da formação para tanto instituída.

A mesma tese é defendia pelo jurista Luís Flávio Gomes, ex-juiz e ex-promotor de Justiça, ao analisar o afastamento de ofício de Cunha caso seja aplicado o artigo 319 do Código Penal. Esse dispositivo versa sobre as possibilidades de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.

Segundo o jurista, como o presidente da Câmara não pode ser preso (exceto nos casos de prisão em flagrante por crime inafiançável), por ter foro privilegiado, o STF pode determinar seu afastamento por meio da aplicação do artigo 319. De acordo com Luiz Flávio, isso também pode ser feito por determinação dos próprios ministros. “É um afastamento preventivo para se evitar a contaminação das provas”, disse o ex-juiz.

O Ministro Gilmar Mendes afirmou ser “plausível” o argumento de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deva ser afastado por estar na linha sucessória da Presidência da República ao mesmo tempo em que é réu no Supremo — o deputado responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A Constituição afirma que o presidente da República não pode exercer o cargo caso responda a processo no STF, o que ocorreria no caso de Cunha assumir devido ao afastamento ou ausência da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer.

O argumento que se põe aqui é de que se há uma denúncia recebida pelo Supremo Tribunal Federal contra um membro do parlamento, que, caso a presidente seja afastada, será o primeiro na linha sucessória, deverá ele, de pronto, ser afastado do cargo, uma vez que há absoluta incompatibilidade ética e jurídica em sua permanência.
Aliás, sua presença no cargo em tal situação é um verdadeiro vexame moral para o Brasil.

Alega-se que não será uma destituição, mas um afastamento.

Tal é similar ao que determina o artigo 319 do Código de Processo Penal. Estar-se-á diante de uma medida cautelar que não tem conteúdo de privação de liberdade, como a prisão preventiva ou a prisão temporária.

Assim a matéria teria conteúdo político-criminal.

Mas fala-se que não há esse poder geral de cautela em tutela penal. Com isso não se poderia decretar uma medida cautelar genérica.

No processo penal, não há lugar para o poder geral de cautela do juiz (artigo 798 do CPP), em razão da observância à legalidade estrita. Isso porque não se verifica lacuna no novel texto processual, sendo inadmitida a interpretação extensiva ou a aplicação analógica de normas tomadas, por empréstimo, de ramos diversos do Direito.

Sabe-se que além do princípio da reserva legal, deve-se atentar à vedação de aplicação do método analógico ou extensivo in malam partem, mormente quando o texto legal que se busca aplicar possui raízes no direito processual civil, totalmente estranhas, por óbvio, ao processo criminal.

Aguardemos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na matéria.