“Decisão do STF não anula atos do impeachment”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Tchau, querida”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Pois é! Por unanimidade, o STF suspendeu o mandato do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o afastou da presidência da Câmara. A par de se tratar de decisão discutível no meio jurídico, chama a atenção o fato de só vir às vésperas da votação do impeachment de Dilma Rousseff no Senado –-em medida cautelar do procurador-geral da República, de dezembro de 2015, quase cinco meses atrás.

Bem ou mal, certo ou errado, juridicamente falando, esse fato dá pano pra manga. Serviu para reacender na presidente da República, em vias de ser afastada pelo Senado, a esperança –-certamente, alimentada pelo advogado geral da União (José Eduardo Cardozo)-– de ver anulados todos os atos de seu impeachment.

Tratando-se de quem se trata, não se era de esperar outra coisa –-que não a lorota de que a saída de Cunha terá aquele efeito. E nela, embarque quem quiser. Não há dúvida: Cardozo tentará algo no STF, em vão. Nem o mais petista dos ministros ousará, é no que se crê, abraçar essa tese –-por desconforme a comezinhos princípios de Direito e capaz de expô-lo (s) ao ridículo.

A decisão do tribunal não abrange atos passados, não retroage. Seus efeitos se dão para o futuro –-ex nunc. Qualquer estudante de Direito, inda que mediano, sabe disso. E, embora Cardozo não seja lá uma sumidade, também sabe –-mas, por conveniência, vai fingir que não sabe!

O professor de Direito, que é, tem se descuidado de sua biografia. Passar esse tipo de recibo, no mínimo, não seria de bom-tom. A tese do desvio de poder de Cunha, como hábil a nulificar todo o processo de impeachment, é mais que insustentável –-é mirabolante!

Ao tempo da aceitação do processo pelo presidente da Câmara dos Deputados, ato meramente desencadeador, nenhum óbice existia –-da Constituição Federal ou do STF, incumbido de interpretá-la. Ao contrário, este referendou o processo, mesmo à vista do elemento desencadeador Eduardo Cunha, regulamentando seu rito. E a isso se seguiram atos e termos que resultaram na maciça votação de 367 deputados –-72,12% da Câmara-– pela autorização de abertura do processo no Senado.

E qual o ato viciado de Cunha, na só recepção de uma denúncia popular robusta, subscrita por juristas de escol e baseada em fatos, e que haveria, de toda forma, de ser recebida, inda fosse outro o presidente da Câmara?

Conversa fiada, insustentável. Vai além, desbordando para ‘uma vigarice política, uma mentira grotesca, uma farsa patética’ a afirmação de que o impeachment decorreu da vontade de Cunha (citação entre aspas do jornalista Reinaldo Azevedo).

E, se vício insanável de fato houvesse, também não subsistiria na hipótese inversa –-de negativa de processamento pelo então presidente da Câmara?

Pau que dá em Chico dá em Francisco!

De se duvidar se meta o Supremo nessa roubada –-reacendendo rastilho de pólvora de questão sepultada pela preclusão. Isto, apesar do mais que aparente nível superlativo de interferência do Tribunal nas coisas internas e privativas da Câmara dos Deputados.

Há outro ponto a considerar. No julgamento que afastou Cunha, da presidência e do mandato, o STF nada disse sobre os atos pretéritos dele –nem o poderia, atento à sua própria jurisprudência.

Anulável é o ato com vício comprovado, e o será mediante requerimento específico contemporâneo à sua edição ou prática –-coisa inexistente. Não fosse assim, possível suspensão das funções de Dilma Rousseff pelo STF -–na hipótese de recebimento de denúncia ou queixa-crime por crime comum (artigo 86, § 1º, I, da Constituição Federal) – implicaria anulação de todos os seus atos como presidente da República. Um disparate!

E há fatores complementares, de ordem complexa. Por seus desdobramentos legais/constitucionais, o processo de impeachment já está em curso no Senado, sendo-lhe indiferente o futuro de Cunha. Ou seja, uma coisa não afeta a outra.

Mas, em que pese tudo isso, o governo vai encher linguiça. Dará curso ao único recurso que lhe resta –-enrolar. E dará com os burros n´água, sem nenhuma dúvida. Mesmo tendo simpatizantes no seio do STF.

Nesse contexto, pelas perspectivas realistas da situação presente, só nos resta dizer à virtual presidente da República afastada: ‘hasta la vista’, Dilma.

O Brasil inda tem jeito, querida!