Imagem de santa no tribunal reacende polêmica
Na última segunda-feira (2), o Tribunal de Justiça de São Paulo recebeu a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que ficou exposta no Salão dos Passos Perdidos. O Blog recebeu manifestações de magistrados que veem nessas iniciativas a não observância das regras previstas num Estado laico.
Segundo noticiou do TJ-SP, o auxiliar do cura da Catedral Metropolitana de São Paulo – Sé, padre Helmo César Faccioli, explicou que a imagem foi acolhida na catedral e, “pela proximidade com o Tribunal de Justiça, foi concedida autorização da visita, por uma hora”.
“A visita significa um momento de benção e graça para esta Casa, que tem por princípios norteadores o zelo pela justiça e o bem comum”, disse Faccioli.
O cura da Catedral, padre Luís Eduardo Pinheiro Baronto, fez orações: “Intercedei por nossos governantes, políticos e hoje por todos aqueles que habitam essa Casa da Justiça, servidores do bem comum. Ajuda-nos a construir um Brasil mais justo, pacífico e impregnado dos valores do Evangelho do teu Filho.”
A visita da imagem foi acompanhada pelo presidente da Corte, desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, pelo secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, magistrados, servidores e público em geral.
O juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, do TJ-SP, entende que “o Estado brasileiro deve observar a laicidade não por mero capricho do constituinte de 1988”.
“Como lembra o ex-ministro da Suprema Corte sul-africana Albie Sachs (‘The strange alchemy of life and law’), o que para um membro de uma maioria (no Brasil, no caso do catolicismo, já bastante em declínio, por sinal) pode ser algo trivial (‘que mal há em celebrarem a Páscoa ou exibirem uma imagem de uma santa?’), para alguém que professa uma outra crença pode se mostrar como algo bastante opressivo e excludente”, diz Corcioli Filho.
Segundo ele, “nessas ‘pequenas coisas’ muitas vezes conferimos a verdadeira adesão ou não de uma instituição aos valores republicanos e democráticos inscritos na Constituição”.
A mesma opinião vale para outros eventos religiosos –como a Páscoa da Família Forense– ou a celebração de missa no tribunal. Anos atrás, discutia-se o cabimento de o tribunal solicitar a presença de um servidor por vara para participar desses cultos.
Em março de 2014, no início de sua gestão, o presidente José Renato Nalini autorizou a distribuição de bíblias a magistrados e servidores em todos os fóruns e gabinetes de trabalho do tribunal.
Nalini atendeu pedido formulado pelos “Gideões Internacionais no Brasil”, associação que reúne profissionais liberais membros de igrejas protestante-evangélicas, presente em 190 países.
A distribuição gerou críticas e manifestações de apoio. “Sou magistrado há mais de 25 anos e nunca vi coisa parecida. Creio sinceramente que o Estado é fundamentalmente laico e não deve fomentar o proselitismo religioso em seu interior”, comentou um juiz paulista.
“Se fosse permitida a presença de símbolos religiosos nas repartições públicas, certamente que deveria ser permitido a exibição dos símbolos de todas as religiões, e até mesmo os símbolos das crenças que negam a existência de Deus, em cumprimento ao princípio da igualdade”, afirmou o advogado Marcos Alves Pintar.
Pintar revelou, na ocasião, que foi instaurado procedimento no Conselho Nacional de Justiça em virtude de Nalini ter realizado como primeiro ato de sua gestão uma missa nas dependências da Corte.
“As bíblias foram doadas. As pessoas as guardam se quiserem. E rezar a missa nas dependências do Pode Judiciário também não pode significar violação dos direitos dos que professam outras crenças”, afirmou, na ocasião, a procuradora regional da República aposentada Ana Lúcia Amaral. “Busquem outras coisas mais sérias e significativas se quiserem criticar ou fazer oposição à gestão do Dr. Nalini”, disse a procuradora.
Em 2012, como este Blog registrou, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul provocou polêmica –que chegou ao Conselho Nacional de Justiça– ao determinar a retirada de crucifixos nas dependências do Poder Judiciário no Estado.
Entre os que pediram a reconsideração da medida, o jurista Paulo Brossard, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal , definiu a decisão como sinal de “tempos apocalipticos”.
“Cristo, no âmbito do Judiciário, representa a Justiça”, afirmou o desembargador Carlos Marchionatti, ex-presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), também contrário à retirada dos crucifixos.
“A nossa Carta Magna é expressa em estatuir a laicidade estatal, impondo dever de neutralidade nas questões religiosas: o Estado Brasileiro não professará, não subvencionará, tampouco proibirá ou se imiscuirá em qualquer questão atinente à fé”, afirmou o Juiz de Direito Roberto Coutinho Borba, de Alvorada (RS), em artigo publicado naquela ocasião.
“Não soa razoável, portanto, que o Poder Judiciário, que tem na imparcialidade seu atributo mais colimado, exponha símbolos de uma ou de outra crença, sob pena de incutir sensação de desprestígio aos jurisdicionados praticantes de crenças dissonantes, ou mesmo aos ateístas e agnósticos”, sustentou o magistrado.