Impeachment e garantias constitucionais

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O processo de impeachment no Senado“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

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A esquerda vê o processo político contra Dilma Rousseff como algo em que a ré é acusada por um crime que não cometeu.

A decisão, que determinou o prosseguimento do procedimento contra ela por crime de responsabilidade (já num juízo preliminar de pronúncia), foi no sentido de afastá-la do cargo por até 180 dias, e de que houve o delito imputado.

Na verdade houve o crime.

Cerca de 35% dos valores envolvidos nas manobras cometidas pelo governo federal que ficaram conhecidas como pedaladas fiscais estão relacionados a financiamentos subsidiados para empresas e produtores rurais de médio e grande porte. Os dados contrariam a versão apresentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela presidente Dilma Rousseff segundo a qual as pedaladas -aventadas como motivo para o impeachment da petista- foram destinadas a pagar programas sociais como o Bolsa Família.

O artifício consistiu em utilizar recursos dos bancos públicos para o pagamento de despesas da alçada do Tesouro Nacional. Com isso, os balanços do governo apresentaram, durante o ano passado, resultados artificialmente melhores, driblando a necessidade de cortar gastos. De acordo com os cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União), que reprovou as contas federais de 2014, o expediente retirou indevidamente R$ 40 bilhões da apuração da dívida pública. Dizem que o governo deu “pedaladas fiscais” para salvar o bolsa-família. Noticia-se que não. A maior parte das pedaladas fiscais não foi feita para beneficiar os pobres, mas sim os muito ricos através dos subsídios para as grandes empresas no Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES.

No Banco do Brasil, os atrasos são dos empréstimos para empresas do agronegócio. Nesses dois bancos se concentra a maior parte da dívida.

O grande empresariado bateu palmas e fez fila para pegar recursos do PSI. O programa gerou essa dívida de R$ 24,5 bilhões acumulada com o BNDES. Mas o custo não é só esse.

O PSI é com taxa supersubsidiada. Mas todos os empréstimos do BNDES são com taxas mais baixas do que as que o Tesouro paga. Foram transferidos para o banco, para que ele emprestasse, outros R$ 500 bilhões. Sobre essa dinheirama há custos que continuarão pesando no bolso do contribuinte nos próximos anos, talvez décadas. As despesas do Tesouro para carregar a dívida contraída para transferir recursos para o BNDES ou as contas da equalização de taxas de juros provam que a política econômica do PT se destinou aos mais ricos. O discurso demagógico de pedalada feita para favorecer os pobres é desmentido pelos fatos. O gasto com as grandes empresas foi infinitamente maior do que com os programas de transferência de renda.

Para se ter uma ideia do que representam essas pedaladas fiscais, a regularização delas, significa um rombo de próximo de R$ 50 bilhões no orçamento, com relação a atrasos no repasse de recursos devidos pelo Tesouro aos bancos públicos vista a meta fiscal para 2015. Os Decretos de abertura de crédito, assinados pela Presidente, estão em flagrante afronta à lei orçamentária, afirma-se.

O artigo 15 da LRF diz tratar-se de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal.

No Artigo 10, alínea 4, da Lei de Responsabilidade Fiscal está dito: São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.

No Artigo 11, alínea 3, explicita-se: São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

É importante ressaltar, argumentam consultores do TCU, que as ‘pedaladas’ foram na verdade instrumento para fraudar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso. Ao omitir pedidos de créditos suplementares cujas despesas se confirmaram em 2014, repetindo o padrão de 2013, ficaria clara a intenção de não incluir tais créditos de despesas obrigatórias na programação financeira para parecer, artificiosamente, haver fôlego financeiro e fiscal para realizar mais despesas discricionárias, que são aquelas que os governos gostam de realizar em ano eleitoral, como os investimentos, pois isso dá voto.

Sem dúvida, tinha a presidente da república o domínio do fato.

Na literatura mundial , há o processo, que é um romance do escritor checo Franz Kafka, que conta a história de Josef K., que acorda certa manhã, e é preso e sujeito a longo e incompreensível processo por um crime não especificado.

O processo, na literatura jurídica , é um caminhar para frente.

Após o afastamento de Dilma Rousseff da presidência, a Comissão Especial formada deve julgar a presidente. Para tanto, ela deverá apresentar defesa, uma verdadeira faculdade jurídica, um ônus processual, devendo ser intimada para se quiser, se apresentar a interrogatório.

O prazo peremptório para apresentar defesa é de 20 dias corridos, não úteis, como disciplina o novo CPC. Tal se deu no processo em que foi alvo o presidente Collor, em 1992.

A Comissão, após a apresentação da defesa, exercício obrigatório, da garantia do contraditório, tem o dever de colher provas, fazendo diligências, juntando documentos, convocando testemunhas, arroladas pela acusação ou pela defesa ou ainda aquelas que entender que devam ser ouvidas.

Após isso, a Comissão deverá redigir um parecer onde irá avaliar o mérito da acusação, dizendo se houve ou não crime de responsabilidade. Fará um “juízo de pronúncia”.

O parecer será votado pela comissão e para ser aprovado o quorum é de maioria simples.

Deverá a partir daí o parecer conclusivo, “sentença de pronúncia”, ser votado pelo plenário do Senado, com quorum de aprovação de maioria simples (metade mais um).

Aprovado, será lido o libelo acusatório, onde se fará todo um resumo do processo.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (que preside o Senado para esse julgamento) receberá os autos marcando data para julgamento. A acusada, presidente da República, poderá (não deverá) comparecer, pois se trata de um ônus processual, mas deve ser necessariamente intimada para tal, a bem do devido processo legal. Se não tiver advogado presente para defendê-la deverá ser nomeado um defensor dativo. A defesa será sempre a última a falar, já conhecendo todo o teor da acusação.

Para que o impeachment seja aprovado, dos 81 senadores, pelos menos, 54, devem votar favoravelmente a ele.

Se condenada, fica inelegível por 8 anos.

Na linha do julgamento do STF no MS 21689/DF (julgamento decidido por maioria, após o empate de 4×4 e julgado por votos de Ministros do STJ, em situação que hoje não persiste, por mudança regimental), uma vez recebida a denúncia (isso aconteceu no dia 10 de maio de 2016), limite máximo da renúncia, nos termos do art. 15 da Lei nº 1.079/50, o processo de impeachment segue o seu rumo, pouco importando, a partir daí, a abdicação do cargo(a renúncia é ato abdicativo e unilateral). O mesmo, no tocante à pena de inabilitação, pois, diferentemente da disciplina anterior (Leis nº 27 (que disciplinava as infrações) e nº 30 (que disciplinava o procedimento), ambas de 1892 – sobre as quais se debruçaram muitos dos comentaristas sem que mais assim o fizessem diante da nova disciplina da Lei nº 1.079/50), a sanção de inabilitação guarda autonomia (observe-se que na CF de 34 o art. 58, § 7º) chegava ao ponto de usar o termo “somente” a perda de cargo, com inabilitação até….”, enquanto na atual a redação não usa esses termos peremptórios.

Por outro lado, no caso da inabilitação, a sanção diz respeito a qualquer investidura pública, ou seja, é mais abrangente do que a própria perda do cargo.

Sequer se fala numa proporcionalidade: é oito anos e pronto, o prazo para afastamento das funções públicas. Mas isso é de constitucionalidade discutível. Nos casos de condenação de prefeito, Decreto-lei 201/67, o Superior Tribunal de Justiça já disse que deve ser levada a devida proporcionalidade na condenação de suspensão da função pública.

Mas a matéria, poderá ser objeto de aferição pelo Supremo Tribunal Federal. Aliás, como já acentuado em pronunciamento anterior, o Ministro Celso de Mello, um grande constitucionalista, no passado, já entendeu que a renúncia do Presidente, quando do caso Collor, extingue o processo e impede a condenação na pena de inabilitação.

Trata-se de processo politico, onde se fogem as regras do direito processual comum, mas, onde, devem ser respeitadas, necessariamente, as garantias constitucionais como da ampla defesa e do devido processo legal.