Está em jogo o controle da lavagem de dinheiro

Frederico Vasconcelos

Máquinas caça-níqueisMinistros do governo Michel Temer querem propor a legalização dos jogos de azar como medida para aumentar as receitas da União, revela Bernardo Mello Franco, colunista da Folha, na edição desta terça-feira (17).

“Em 2004, o governo Lula proibiu o funcionamento de bingos e a operação de máquinas de caça-níqueis. A medida foi tomada após um escândalo que envolveu Waldomiro Diniz, então funcionário da Casa Civil, suspeito de extorquir o contraventor Carlinhos Cachoeira. O caso deu origem à CPI dos Bingos”, informa a reportagem.

Pela atualidade do tema, o Blog reproduz post publicado em fevereiro sob o título “PGR é contra a legalização dos jogos de azar”:

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A Procuradoria-Geral da República expediu nota técnica contra Projeto de Lei do Senado que pretende legalizar a exploração de jogos de azar em todo o território nacional.(*)

A PGR entende que, entre outros aspectos negativos, o projeto “não cria mecanismos mínimos de controle pelo Estado contra a lavagem de dinheiro e a sonegação de impostos”.

“Seria pueril imaginar que a legalização vai acabar com a corrupção que envolve o jogo clandestino. Quem explora e vai continuar explorando essas atividades procura aumentar os seus ganhos a qualquer custo.”

O projeto é de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), sendo relator o senador Blairo Maggi (PR-MT). Foi aprovado na forma do substitutivo apesentado por Maggi, em decisão terminativa, na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) do Senado Federal, em dezembro. Seguirá para análise da Câmara dos Deputados, a menos que haja recurso até o próximo dia 10, endossado por pelo menos nove senadores.

A nota técnica, assinada pelo procurador da República Peterson de Paula Pereira, Secretário de Relações Institucionais da PGR, pede “apoio na apresentação de recurso para que a matéria seja apreciada também pelo Plenário do Senado Federal, de modo que possa ser reaberta a discussão sobre tão delicado tema”.

Estão previstas as seguintes modalidades: jogo de bicho; jogos eletrônicos, vídeo-loteria e vídeo-bingo; jogos de cassinos em resorts; jogos de apostas esportivas on-line; jogo de bingo on-line e jogos de cassino on-line.

O projeto aprovado prevê que a outorga, a regulamentação e a fiscalização dos estabelecimentos caberá aos Estados e ao Distrito Federal, salvo nos casos de cassinos, cujo controle e fiscalização caberá ao governo federal.

A PGR entende que o projeto é mais amplo e permissivo do que qualquer outro já discutido no Congresso Nacional. Iniciativa semelhante foi rejeitada pelo Congresso [Projeto de Lei nº 2.254/2007]. O projeto atual prevê um altíssimo índice de retorno ao apostador, sem qualquer mecanismo de controle pelo Estado, cominando com uma pena pífia a quem burlá-lo.

A nota técnica registra que o projeto é justificado sob o argumento de que “seria demagogia proibir os jogos de azar quando se sabe que eles existem e são socialmente aceitos”. Acena também com a possibilidade de criar novos empregos e fontes de receitas tributárias que estima em R$ 15 bilhões -uma previsão “absolutamente inflada”, segundo a PGR.

O parecer da PGR questiona “se os valores efetivamente arrecadados pelo Poder Público compensariam os gastos com o tratamento dos viciados patológicos e os efeitos nefastos sobre as famílias arruinadas pelas dívidas de jogo”.

É citado artigo intitulado “A legalização dos bingos sob prisma da lavagem de dinheiro”, em que o procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol, “conclui de forma irrefutável sobre a inviabilidade de controle da lavagem de dinheiro e da sonegação de tributos”.

A enorme quantidade de bingos e cassinos cuja abertura é estimulada pelo projeto está em descompasso com a realidade dos órgãos nacionais de controle. O projeto não prevê controles mínimos sobre as receitas das máquinas “caça-níqueis”, objeto de maior cobiça por parte dos futuros exploradores dos jogos de azar.

“O jogo que se pretende legitimar não será uma atividade econômica aberta a novos empreendedores. Ela já tem dono. O contraventor (assim chamado num viés quase romântico, mas esse delinquente se revela como verdadeiro criminoso organizado) comanda um ‘estado paralelo’ que se mistura, e algumas vezes se sobrepõe, ao Estado oficial”, conclui o parecer.

Como um dos exemplos, a nota técnica cita operação deflagrada em abril de 2007, que resultou na prisão de dois desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, um procurador regional da República, advogados e delegados federais, dentre outros contraventores de menor escalão, bem como a acusação contra um ministro do Superior Tribunal de Justiça por venda de liminares.
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(*) Projeto de Lei do Senado nº 186, de 2014 – Nota Técnica PGR/SRI Nº 065/2016.