Gilmar critica o “maldito” auxílio-moradia
Em sessão, ministro diz a Ricardo Lewandowski que o Supremo tem “encontro marcado” para rever as “extravagâncias” da magistratura.
Ao votar contra a emenda constitucional que conferiu autonomia à Defensoria Pública da União, o ministro Gilmar Mendes alertou os membros do Supremo Tribunal Federal, na última quarta-feira (18), para a necessidade de enfrentar as distorções na remuneração do Judiciário.
Gilmar Mendes mencionou explicitamente “esse maldito e malfadado auxílio-moradia”.
Acompanhado por intervenções das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, e diante do presidente Ricardo Lewandowski visivelmente contrangido, Mendes disse: “Nós vamos ter um encontro marcado”.
Ele citou o “festival de ousadia, essa leitura extravagante que substitui inclusive a intervenção do Legislativo e cria o fato consumado, como no caso já referido do auxílio-moradia”.
Liminar concedida pelo ministro Luiz Fux em setembro de 2014 –e não julgada até hoje– abriu a porteira para a concessão do auxílio-moradia para a magistratura, decisão na qual o Ministério Público pegou carona.
Menos de um mês depois, o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público seguiu a decisão do STF e regulamentou a concessão de auxílio-moradia, de caráter indenizatório, aos membros do Ministério Público da União e dos Estados.
Em setembro de 2015, um ano depois, alguns ministros do STF cobraram, em sessão administrativa, o julgamento da liminar.
O assunto foi introduzido na última quarta-feira, quando Gilmar Mendes votou contra a autonomia da DPU:
“Nós sabemos que o primeiro ato marcante da Defensoria Pública da União para consolidar e inaugurar sua autonomia foi dar esse maldito e malfadado auxílio-moradia, que nos constrange e que nós mimetizamos do Ministério Público.”
“Hoje, paga-se auxílio-moradia para todos os magistrados, casados ou não, tendo moradia ou não, em nome da autonomia administrativa-financeira”, protestou.
O ministro estendeu suas críticas ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público:
“Nós sabemos que o CNJ veio para equalizar e sistematizar um pouco os excessos que havia na leitura da autonomia administrativa-financeira. E nós sabemos hoje que a própria remuneração dos ministros do Supremo é utilizada como piso, e não como teto. Paga-se o dobro, o triplo em vários Estados, viola-se claramente a Loman.”
Mendes citou sua passagem pelo Ministério Público Federal, afirmando que foi “da mesma época” do procurador-geral Rodrigo Janot [que estava na sessão]. “Ganhava-se menos do que juiz. Era uma opção. Hoje, não se sabe quanto ganham, porque há as gratificações”, disse o ministro.
“Presidente, [dirigindo-se a Lewandowski] acredito que esse tribunal tem uma grande responsabilidade. Estou convencido de que aqui se cuida da violação de poder. (…) Me parece que temos que meditar muito sobre isso. Se nós não o fizermos, certamente a realidade vai impor limites”, advertiu.
Mendes disse que “o Brasil se converteu nos últimos anos, inclusive ajudado pela agenda associativa sindical, numa república corporativa”. Regulamenta-se tudo, de forma generosa, como a prestação de diárias e gratificações.
“Está-se aplicando isso de maneira selvagem, sem nenhuma base jurídica, de maneira canhestra: ‘Enquanto eu tiver dinheiro, abro a gaveta e saco, sem nenhuma regra'”.
Para Gilmar Mendes, a situação “extremamente grave” se agrava na medida em que a tendência hoje é aprovar novas emendas. Ele mencionou, por exemplo, que tramitam no Congresso PECs para autonomia financeira da Advocacia Pública, do Fisco, da Perícia Criminal e da Polícia Federal. “Virou a tábua de salvação. Essa é a fórmula mágica.”
“No plano das práticas administrativas, qual é a leitura que se faz da ideia de autonomia? É a leitura de que aqui não é autonomia, é soberania, os órgãos podem legislar”, disse.
A ministra Cármen Lúcia –próxima presidente do STF– disse que “autonomia não é soberania, e não é autorização para fazer o que bem entender”. Segundo ela, “eventuais exacerbações, em que se ultrapassam limites, em que haja desvios, ilegais, portanto, não é autonomia, é abuso”.
A ministra Rosa Weber concordou com a manifestação de Gilmar Mendes. “Entendo eu que esse plenário tem encontro marcado com esse tema, no que diz respeito às vantagens que estão sendo asseguradas, [como] o auxílio-moradia à magistratura”.
“Nós temos ações no âmbito desse Supremo Tribunal que vão trazer esse debate ao plenário”. “Tenho posição firmada há muito tempo sobre esse tema”, disse Rosa Weber.
Ao final da votação sobre a autonomia da Defensoria Pública, o presidente Ricardo Lewandowski disse:
“Eu penso que nós temos encontro marcado com muitos temas. As vantagens da magistratura estão sendo adequadamente discutidas no anteprojeto do estatuto da Loman. Mediante votação virtual, brevemente chegaremos a um consenso nessa questão.”
O projeto da nova Loman é de autoria de Lewandowski e precisa ser aprovado em sessão administrativa pelo Plenário do STF para ser enviado ao Congresso.
Lewandowski disse que há um “arcabouço normativo”, instrumentos para evitar abusos e excessos. “Eu me permito usar uma expressão do eminente ministro Marco Aurélio: ‘Não quero raciocinar com extravagância”.
Gilmar Mendes interrompeu: “Não, o que de originário ocorre é a extravagância. Isso que quero chamar a atenção, e Vossa Excelência sabe muito bem. É exatamente na esfera do Judiciário”.
“O que ocorre no Judiciário está coberto por decisões judiciais”, respondeu o presidente do STF, encerrando a questão.
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