Dois lados do financiamento à cultura
Sob o título “Quem é contra a Lei Rouanet”, o colunista da Folha Bernardo Mello Franco comenta, neste domingo (29), o pedido de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Lei Rouanet.
São autores do requerimento dois deputados do DEM: Alberto Fraga, um ex-coronel da PM que se notabilizou ao declarar que “mulher que bate como homem tem que apanhar como homem”, e Sóstenes Cavalcante, pastor da igreja de Silas Malafaia.
O colunista chama a atenção para o número de teatros e cinemas, no centro do Rio e de São Paulo, que deram lugar a templos, “com isenção de impostos, é claro”.
O texto de Bernardo Mello Franco, embora não tenha esse objetivo, serve como contraponto para artigo publicado neste blog, no último dia 26, sob o título “A cultura da solidariedade”, de autoria do desembargador Edison Vicentini Barroso, que aborda as resistências ao fim do MinC.
Como exemplo do “ideário da esquerda”, Barroso cita “artistas que defendem a existência do MinC por questão ideológica, na errada suposição de que o único meio de atingir cultura é pelos incentivos do Estado”.
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Eis o que afirma o desembargador:
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[Diante disso,] alteiam-se vozes de artistas –-maioria de famosos. A pretexto de não verem extinto o Ministério da Cultura (MinC), o que não querem, mesmo, é se lhes deixe de manter o incentivo estatal de que, sobretudo na última década, se fizeram servos.
Em 2014, o MinC custou à sociedade brasileira –-entre despesas e Lei Rouanet-–, aproximadamente, 1,8 bilhão de reais. Dinheiro que poderia ser destinado, por exemplo, a saneamento básico e/ou remédios para o SUS (Sistema Único de Saúde).
Em tese, com o fim do MinC –-que se não confunde com o fim da cultura no país-–, sobrariam mais recursos para outras áreas, em especial, a saúde e a educação. Qual, pois, a razão da revolta dos artistas? Decerto, medo de perder a boquinha estatal –-destacada da famosa Lei Rouanet.
Por essa Lei, um grupo de artistas –-os apadrinhados do regime imperante-– captam recursos de empresas, que, em troca, recebem incentivos fiscais. Estes, por sua vez, oneram os cofres públicos por se tratar de renúncia fiscal, a chamada perda de receita tributária.
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Eis o que afirma o colunista:
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O documento protocolado na Câmara tem seis páginas. Cinco delas são copiadas de um site que fez campanha pelo impeachment. O texto lista “os 12 projetos mais bizarros aprovados pela Lei Rouanet”.
Quem navega nas redes sociais já deve ter se deparado com publicações semelhantes. Em geral, elas sustentam que artistas são “vagabundos” que vivem do dinheiro público, que a lei é usada para sustentar esquerdistas e que os recursos destinados à cultura deveriam ser aplicados em saúde e educação.
Esse discurso ignora que o setor cultural movimenta a economia e gera milhares de empregos para artistas e não artistas, que a lei existe desde o governo Collor e que quem escolhe os projetos apoiados são as empresas, que deduzem o valor do patrocínio no imposto de renda.
Todo país civilizado tem mecanismos de incentivo à cultura. Eles ajudam a financiar museus, orquestras e outras entidades que não sobreviveriam só com a bilheteria. A lei brasileira pode apresentar problemas, mas atacá-la com demagogia é a forma mais segura de não resolvê-los.