“A corrupção que devorou o sistema politico”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Os pedidos de prisão de parlamentares e de um ex-presidente da República“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e ex-procurador regional da República.

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Noticia-se que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal pedido de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) e do deputado afastado da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Realmente é a a primeira vez que a PGR pede a prisão de um presidente do Congresso e de um ex-presidente da República.

A imprensa informou que, no caso de Renan, Sarney e Jucá, a base para os pedidos de prisão tem relação com as gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado envolvendo os peemedebistas. As conversas sugerem uma trama para atrapalhar as investigações do esquema de corrupção da Petrobras.

Tais gravações são lícitas por terem sido feitas por um dos interlocutores.

Pelo que se noticiou, Sérgio Machado teria praticado a denominada gravação ambiental ou “gravação clandestina”, procedimento que não se confunde com a interceptação telefônica ou com a escuta telefônica. Na interceptação, uma terceira pessoa – que não participa da conversação – grava o diálogo telefônico estabelecido entre duas ou mais pessoas sem o conhecimento dos interlocutores. Na escuta, o terceiro, alheio à conversa, realiza a gravação do conteúdo discutido, mas com o conhecimento de, pelo menos, um dos interlocutores. A interceptação e a escuta telefônica são regidas pelo art. 5º, XII, da Constituição Federal, e pela Lei n.º 9.296/1996. Constituem, pois, uma cláusula de reserva de jurisdição (STF – MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello). Dessa forma, somente podem ser admitidas quando houver prévia autorização judicial (art. 1º, caput, da Lei n.º 9.296/1996).

Com a gravação ambiental a hipótese é diversa. Quem realiza a gravação é o próprio interlocutor, ou seja, a pessoa que participa da conversa – pessoal, telefônica, por videoconferência por skype – com a finalidade de registrar e documentar o seu conteúdo. Isso é possível porque os participantes de uma conversa têm o controle do seu conteúdo e, nessa medida, ostentam a prerrogativa de, querendo, registrá-la, visando a conservação de direito ou exercício de garantia, desde que sobre a conversa não incida causa legal específica de sigilo (ex.: cliente-advogado, paciente-médico).

De toda sorte faz-se necessário aguardar maiores informações com relação ao referenciado pedido para se ter ideia da fundamentação apresentada e da dimensão dos fatos.

Poder-se-ia dizer que a noticiada hipótese de pedido de prisão estaria baseada em crime permanente, objeto do artigo 2º, parágrafo primeiro, da Lei 12.850, onde se descreve crime envolvendo quem embaraça a investigação de infração que envolva organização criminosa.

Mas alerte-se que a defesa pode alegar que houve um flagrante preparado. No flagrante preparado, o agente é induzido ou instigado a cometer o delito, e, neste momento, acaba sendo preso em flagrante. É um artifício onde verdadeira armadilha é maquinada com intuito de prender em flagrante aquele que cede a tentação e acaba praticando a infração. Flagrante preparado é flagrante nulo.

Dirão ainda os investigados que as conversas restringem-se, contudo, ao mero campo da conversa política, expressando preocupação com os rumos da operação Lava Jato ou, por exemplo, a opinião de que eventual anistia aos envolvidos e a aprovação de leis mais brandas para a delação premiada poderiam criar condições de desanuviar a crise e assim não haveria qualquer ilícito que justificasse qualquer medida processual penal.

Os pedidos de prisão foram divulgados, no dia 7 de junho do corrente ano, pelo jornal “O Globo” e confirmados pela Folha. Em relação a Sarney, o pedido é de prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica, em razão de sua idade –86 anos.

Quanto ao caso do deputado Eduardo Cunha, pelo que se vê no noticiário, o motivo direto do pedido do Ministério Público não seria a tentativa de atrapalhar as investigações da Lava-Jato, e, sim, por conta de que a decisão do Ministro Teori Zavascki, em maio deste ano, de afastá-lo da presidência da Câmara e do mandato, não surtiu efeito e o deputado teria continuado a interferir no comando da Casa.

Assim se a medida cautelar inerente ao artigo 319, VI, do CPP, não se revela eficaz, o caminho é a prisão preventiva. em havendo indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime à luz de razões de manutenção da ordem pública.

Tem-se da lição de José Afonso da Silva (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 535/536, item n. 15, 30ª ed., 2008, Malheiros):

‘“‘Quanto à prisão’, estatui-se que, salvo flagrante de crime inafiançável, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos dentro do período que vai desde a sua diplomação até o encerramento definitivo de seu mandato por qualquer motivo, incluindo a não reeleição. Podem, pois, ser presos nos casos de flagrante de crime inafiançável, mas, nesse caso, os autos serão remetidos, dentro de 24 horas, à Câmara respectiva, para que, pelo voto da maioria (absoluta) de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º, EC-35/2001). Convém ponderar a respeito da questão da afiançabilidade de crime, hoje importante, diante do disposto no art. 5º, LXVI, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Se o crime fora daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista há de ser idêntico ao dos crimes afiançáveis, ou seja: ‘vedada a prisão’.”

Se houver necessidade, presentes os elementos do artigo 312 do Código de Processo Penal, essa prisão poderia ser transformada em preventiva.

Os parlamentares, segundo a Constituição, desde a diplomação “não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” e, mesmo nesta hipótese, caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal “resolver” sobre a manutenção ou não da prisão do parlamentar (art. 53, § 2º). Essa a redação dada à Constituição pela Emenda 35/2001.

Alerte-se que, para o caso, aplica-se, outrossim, o artigo 324, IV, do Código de Processo Penal, que determina que não será concedida fiança nos casos em que estejam presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva(artigo 312 do CPP), ou seja: para garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Essa última hipótese deve ser devidamente analisada pelo Ministério Público, que, inclusive, poderá ser considerada nas razões para eventual afastamento da função do parlamentar(artigo 319, VI, do CPP).

Discute-se a notícia de que foi solicitada para o ex-presidente da República José Sarney, ora investigado, o benefício de prisão domiciliar.

A precariedade do estado de saúde do preso é um dos fundamentos para concessão dessa forma de cumprimento de pena, do que se lê do artigo 117, II, da Lei de Execuções Penais, Lei 7.210/84, sob pena de violação à norma constitucional que determina ao Estado e a seus agentes o pleno e efetivo respeito à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público(artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

Sendo assim o próprio artigo 40 da Lei de Execuções Penais exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios, sendo reafirmado o seu direito à saúde, do que se lê do artigo 41, inciso VII, da mesma norma jurídica.

Bem aduziu o ministro Arnaldo Esteves Lima, no julgamento do HC 47115/SC, DJ de 05.12.05, pág. 349, que ser portador de doença crônica incurável não garante, por si só, o direito à prisão domiciliar, sendo indispensável a prova incontroversa de que o custodiado depende efetivamente de tratamento médico que não pode ser ministrado no estabelecimento prisional.

Ou seja: deveria ser demonstrado, de forma inconteste, que o preso, se portador de doença grave, e que deve ser recolhido no regime prisional, demonstra a impossibilidade de prestação da devida assistência medica por estabelecimento penal.

Nessa linha de pensar Guilherme de Souza Nucci (Prisão e liberdade, São Paulo, ed. RT, pág. 77) lembra que o acolhimento de doença grave, previsto no artigo 117 da Lei de Execuções Penais, tornou-se, com a Lei 12.403/11, que disciplina a matéria, no artigo 318, II, do Código de Processo Penal, extrema debilidade por motivo de doença grave.

Portanto, não basta a presença de grave enfermidade, sendo igualmente necessário que o preso esteja por ela bastante debilitado.

As providências que teriam sido solicitadas somente têm precedentes na chamada operação “Mãos Limpas”, na Itália, exigindo uma reconstrução do modelo politico brasileiro, a começar da análise e implementação de soluções para questões de extrema gravidade como o financiamento de campanha e quanto a necessidade de uma reforma partidária que crie uma cláusula de barreira através de emenda constitucional.

A corrupção é um câncer que devorou o sistema politico brasileiro.

Que país é esse? O Brasil tem uma presidente da República afastada, acusada de crime de responsabilidade; um presidente da Câmara dos Deputados, acusado de uma serie de delitos e, agora, vem a notícia do pedido de prisão do presidente do Senado.