Justiça cega, faca amolada

Frederico Vasconcelos

Fux, Cármen e Lewandowski

Em contagem regressiva, a administração do ministro Ricardo Lewandowski parece ter confirmado plenamente o que se temia dois anos atrás, às vésperas de sua posse na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça: Lewandowski enfraqueceria o CNJ e fortaleceria o corporativismo no Judiciário, diziam os analistas mais céticos.

Esse cenário tem estimulado as previsões de que a posse da ministra Cármen Lúcia em setembro, sucedendo a Lewandowski, trará mudanças substanciais no STF e no CNJ. A conferir.

“Ela está com a faca nos dentes”, disse Elio Gaspari em novembro de 2015, quando a ministra votou pela prisão do ex-senador Delcídio do Amaral e afirmou que “o escárnio venceu o cinismo”.

O colunista repetiria a imagem [“faca nos dentes”] no final de maio, ao reproduzir um comentário do gravador ambulante Sérgio Machado em conversa com o senador Renan Calheiros (PMDB): “Com essa mulher vai ser pior ainda”.

Caneta e martelo em mãos firmes são instrumentos mais adequados que facas e frases de efeito.

O Judiciário ganhará muito se Cármen Lúcia conseguir que os ministros do STF e os conselheiros do CNJ cumpram os regimentos internos e respeitem os prazos para proferirem seus votos e julgarem as liminares.

Uma liminar concedida e nunca submetida à votação é uma burla à própria ideia que o exame pelo colegiado garante a melhor decisão.

O regimento do STF determina que, “se algum dos ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente”.

O regimento do CNJ prioriza os processos com pedido de vista e obriga a submissão do tema à deliberação do plenário em até 15 dias, se necessário em sessão extraordinária.

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Eis alguns exemplos de descumprimento dos regimentos, cujos efeitos estão na ordem do dia com o desgaste cada vez maior da imagem do Judiciário:

1) Liminar concedida pelo ministro Luiz Fux em setembro de 2014 –em ação ordinária não julgada até hoje– abriu a porteira para a concessão do “maldito e malfadado auxílio-moradia” –como definiu Gilmar Mendes. “Hoje, paga-se auxílio-moradia para todos os magistrados, casados ou não, tendo moradia ou não”, diz Mendes. Consultado pelo Blog, até agora Fux não comentou o pedido de impeachment que advogados protocolaram no Senado por causa da liminar que concedeu o auxílio-moradia.

2) Desde maio de 2012, o ministro Fux impede a tramitação de uma ação que garantiu vantagens e “penduricalhos” a magistrados do Rio de Janeiro, o que levou a então corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon a condenar a inação do Judiciário, afirmando que, “no Rio, houve um complô de tal forma que hoje nós temos Tribunal de Justiça, Poder Legislativo e o Executivo todos coniventes com aqueles salários altíssimos pagos aos desembargadores”.

3) O ministro Gilmar Mendes pediu vista e somente um ano e cinco meses depois devolveu para julgamento, com seu voto, a ação que contestava a constitucionalidade do financiamento empresarial das campanhas políticas.

4) No CNJ, não foram chamados a julgamento pelo presidente processos disciplinares sobre fatos graves –como o caso do desembargador paulista Armando Toledo, suspeito de segurar em seu gabinete uma ação penal durante três anos para supostamente beneficiar o ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Barros Munhoz. O voto da relatora, a corregedora nacional de Justiça Nancy Andrighi, está concluído há meses. Toledo antecipou a aposentadoria, assumiu cargo na Petrobras em plena Lava Jato –e nada aconteceu.

5) Em julho de 2014, durante o recesso do Judiciário e atuando como presidente interino do STF– o ministro Lewandowski suspendeu o afastamento dos desembargadores Mário Hirs e Telma Britto, ex-presidentes do Tribunal de Justiça da Bahia. Foram recebidos no tribunal, com foguetório e a presença de autoridades estaduais e municipais. “Um acinte”, definiu, na ocasião, o ex-corregedor Gilson Dipp. Eles haviam sido afastados pelo CNJ em novembro de 2013, acusados de pagamento de precatórios inflados. A decisão de Lewandowski desconheceu o fato de que o relator, ministro Roberto Barroso, havia indeferido pedido de liminar em que Mário e Telma requeriam a suspensão da decisão do CNJ. O caso continua indefinido.

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O grande problema do Poder Judiciário é a morosidade. O descumprimento das regras internas nos tribunais e órgãos de controle é um estímulo ao engavetamento de processos, ao esquecimento de denúncias, à prescrição e à impunidade.

Durante uma sessão no CNJ, quando um ex-conselheiro lembrou que o órgão precisava cumprir o regimento interno, Lewandowski respondeu, irritado:

“Vossa Excelência agora não vai dar lição à presidência com relação à leitura do regimento. O presidente tem poder de pauta (…) Eu sou presidente deste Conselho, presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do Poder Judiciário, ninguém vai me ensinar como é que eu vou levar as audiências e pautar as sessões deste Conselho”.

Talvez por isso o ex-conselheiro Rubens Curado tenha definido a administração Lewandowski no CNJ como “imperialismo presidencialista”.

Resta confirmar se a nova gestão no Supremo Tribunal Federal promoverá, a partir de setembro, o tal “encontro marcado” para rever as “extravagâncias” da magistratura, como acenaram alguns ministros numa sessão plenária em maio último.