Quando o processo judicial é usado como punição
Para desembargador aposentado, os juízes que moveram ações contra a “Gazeta do Povo” utilizaram a mesma técnica da Igreja Universal.
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Em fevereiro de 2008, quando a Folha e a repórter Elvira Lobato foram alvo de “uma ação massificada e difusa da Igreja Universal contra o jornal”, o juiz Edinaldo Muniz dos Santos, da comarca de Epitaciolândia, no Acre, foi o primeiro magistrado a extinguir o processo por entender que havia um “assédio judicial”.
Eis o que afirmou o juiz, naquela ocasião, em entrevista ao editor deste Blog:
“O Judiciário está sendo usado apenas para impor à parte requerida um prejuízo processual, isto com centenas de deslocamentos para audiências, passagens aéreas, advogados etc. O processo judicial, que é meio de punição e reparação, passa ser a própria punição“.
Avaliação semelhante é feita pelo desembargador aposentado Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), ao analisar a iniciativa de juízes e membros do Ministério Público do Paraná que acionaram individualmente o jornal “Gazeta do Povo“, de Curitiba, e seus jornalistas.
Em artigo no “Conjur“, Freitas afirma:
“Utilizou-se a mesma técnica adotada no ano de 2008 pela Igreja Universal, que, por meio de seus membros, propôs ações de indenização contra órgãos de comunicação em diversos pontos do território nacional. Com isso, repórteres e os jornais eram obrigados a defenderem-se nas mais distantes comarcas. Mesmo que ganhassem a ação, gastariam muito com as viagens e suas defesas“.
Segundo o desembargador aposentado, “obvio que juízes e promotores tinham o direito de entrar com ação, como qualquer cidadão brasileiro. Poderia ter sido proposta uma única ação, na capital do estado, por meio da associação de classe, com a identificação dos que se julgaram ofendidos. Até aí, nada demais. Puro exercício de um direito constitucional”.
“Todavia, não foi esse singelo raciocínio que moveu a propositura de cerca de 37 ações espalhadas em juizados especiais de diversas comarcas do estado do Paraná”, diz Freitas.
À mesma conclusão chegou, em 2008, o juiz do Acre, no caso da campanha da Universal, ao observar que, no Juizado Especial, ao contrário da Justiça comum, é muito mais fácil obter a condenação à revelia.
Voltando à avaliação de Freitas: “Ora, ao deliberarem juízes e promotores sobre a propositura de ações individualizadas em juizados especiais, cujo final se dará em uma Turma Recursal, e não no Tribunal de Justiça, evidentemente escolheram a forma mais simples de terem sucesso e de impor à empresa e seus jornalistas um ônus extra, qual seja, o de terem que se deslocar a diferentes pontos do estado“.
Freitas registra que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), “entidade que sempre dá apoio aos magistrados quando, por qualquer razão, tornam-se vulneráveis, manteve-se em silêncio, e seu site não exibe nenhuma nota de apoio”.
“É verdade que as ações foram propostas individualmente, não pela associação de classe, e esta não podia impedir o ingresso em juízo. Porém, verdade é, também, que o principal papel de uma associação é exatamente este, avaliar todas as possibilidades, apoiá-las quando for o caso e opor-se quando necessário. No caso, a Amapar não propôs a ação, mas deu apoio à conduta”.
“Cada magistrado, no exercício de suas funções e também fora delas, porque juiz é juiz 24 horas por dia, pode levar ao crédito ou ao descrédito a magistratura. A dedicação, o respeito àqueles com quem o juiz se relaciona, a discrição, a postura, tudo isso estará contribuindo, em maior ou menor grau, para a admiração ou a reprovação social da magistratura como um todo”, afirma o articulista.
Freitas admite que, “somadas e divididas todas as circunstâncias, é possível concluir que sobrará apenas descrédito da magistratura. Muito embora tenham sido pouquíssimos os juízes autores, cerca de 35, todos serão atingidos. Todos, indistintamente, pois para o cidadão pouco importa se alguém pertence a esta ou àquela instância, a esta ou àquela Justiça”.