Justiça cega, faca amolada – 2
O Blog retoma assunto levantado na semana passada, quando tratou da gestão do ministro Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foram citados exemplos de descumprimento dos prazos para a retomada de julgamentos em casos de votos vista e liminares.
Diante do processo sucessório que se aproxima, foi dito que “o Judiciário ganhará muito se a ministra Cármen Lúcia conseguir que os ministros do STF e os conselheiros do CNJ cumpram os regimentos internos”.
Nos dois exemplos a seguir, Lewandowski anulou liminares concedidas pelo então conselheiro do CNJ Gilberto Martins — ambos os casos não foram julgados até hoje.
O primeiro envolve duas magistradas do Pará; o segundo, um advogado da Bahia escolhido para o cargo de desembargador pelo Quinto Constitucional.
Detalhes relevantes: no primeiro episódio, a futura presidente do STF e do CNJ revogou, em fevereiro último, liminar concedida por Lewandowski. Mas o CNJ ainda não retomou o julgamento.
Quando Gilberto Martins representou contra as duas desembargadoras do Pará, ainda não era conselheiro do CNJ. Na ocasião, era coordenador do GAECO do Ministério Público do Pará. Martins cumpriu dois mandatos como conselheiro do CNJ, reassumiu suas funções no MP daquele Estado e o caso ainda permanece sem conclusão.
1) Eis o resumo do caso do Pará:
Em 5 de novembro de 2010, uma sexta-feira, Francisco Nunes Pereira, de Tatuí (SP), ingressa, através de Joares Correia dos Anjos, com a peculiar AÇÃO ESPECIAL DE COISA MÓVEL (no caso, dinheiro), contra o Banco do Brasil, dizendo-se titular de conta bancária com depósitos no valor de R$ 2,3 bilhões.
No dia 8, uma segunda-feira –ou seja, dia seguinte útil– a magistrada Vera Araujo, na época juíza da 5º Vara da Capital, concedeu liminar e determinou o bloqueio dos valores, contra o Banco do Brasil. Mesmo tendo alertado a magistrada, o BB não conseguiu revogar a decisão.
Através de agravo do Banco, a desembargadora Marneide Mirabet manteve a decisão de sua colega, disponibilizando ao autor o valor de mais de R$ 2,3 bilhões.
A tentativa de fraude contra o BB somente não foi consumada em razão da intervenção da Corregedoria Nacional de Justiça, quando a Ministra Eliana Calmon suspendeu o bloqueio, iniciativa que veio a provocar reações das entidades de classe.
Em 9 de fevereiro de 2011, Francisco Nunes Pereira e os demais comparsas, foram presos no curso de investigação criminal conduzida pelo Promotor de Justiça Gilberto Valente Martins. Com base nas provas colhidas na operação, com laudos periciais e documentos, Martins encaminhou as provas e representou para o CNJ e ao Procurador Geral da República.
No dia 19 de abril de 2014, o CNJ instaurou Processo Administrativo Disciplinar – PAD, decidindo pelo afastamento cautelar das desembargadoras.
No dia 31 de junho de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski tornou sem efeito o afastamento determinado pelo CNJ.
Marneide Mirabet retornou à jurisdição e em dezembro do mesmo ano foi envolvida em outra situação suspeita, que chamou a atenção do CNJ. Desta vez, com a liberação e imediato pagamento de R$ 20 milhões ao advogado Mauro Santos, que estava nomeado como síndico em uma recuperação judicial.
Gilberto Martins, que respondia então pela Corregedoria Nacional de Justiça, tornou sem efeito a decisão da desembargadora e determinou a suspensão do pagamento.
Todavia, R$ 16 milhões já haviam sido pagos. Com isso, outro procedimento foi instaurado por Martins, que enviou as peças para a Procuradoria-Geral da República.
Em fevereiro deste ano, a Segunda Turma do Supremo acompanhou, por unanimidade, a ministra Cármen Lúcia, que julgou improcedente mandado de segurança impetrado pelas desembargadoras Marneide Mirabet e Vera Araújo, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
A decisão revogou a liminar concedida em 2014 por Lewandowski, que tornara sem efeito o afastamento cautelar das desembargadoras decidido pelo CNJ.
2) Eis o resumo do caso da Bahia:
Em 18 de outubro de 2013, uma sexta-feira, o conselheiro Gilberto Martins deferiu liminar para sustar a posse do advogado Roberto Maynard Frank como membro do Tribunal de Justiça da Bahia pelo Quinto Constitucional.
Martins despachou em procedimento de controle administrativo formulado pelo Ministério Público Federal, no qual o MPF requereu a anulação de ato administrativo do TJ-BA.
A liminar foi concedida diante da notícia de que a posse estava prevista para realizar-se na segunda-feira seguinte (21/10).
Alegou-se no processo que Frank –então juiz do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia— não reuniria as condições de elegibilidade exigidas.
Em setembro, após o recebimento da lista sêxtupla enviada pela seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil, o tribunal escolheu a seguinte lista tríplice: Pedro Barachisio (30 votos), Custódio Brito (28 votos) e Roberto Frank (22 votos).
A liminar foi requerida diante da escolha do nome de Frank pelo então governador da Bahia, Jaques Wagner (PT).
O candidato estaria respondendo inquérito judicial perante o Superior Tribunal de Justiça, sobre eventual responsabilidade e de outras pessoas pela suposta prática de crimes de apropriação indébita e corrupção, conforme representação criminal feita junto ao Ministério Público do Estado da Bahia pela empresa American Airlines Inc.
O inquérito mencionado investigou a possível prática de delitos penais em razão do levantamento de quantia superior a R$ 22 milhões nos autos de um processo ajuizado pelas empresas Link Representações e Turismo Ltda. e MSC Representações Ltda. em face da companhia aérea American Airlines Inc.
Segundo Martins, “justifica-se a medida liminar, para obstar a posse do candidato, assim como o pleiteado pelo Ministério Público Federal, em razão da dúvida razoável acerca da inobservância dos critérios constitucionais para assunção ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia”.
O conselheiro entendeu que Frank “tem contra si instaurado inquérito judicial, em tramite no Superior Tribunal de Justiça, o que, à primeira vista, se mostra contrário à demonstração da conduta ilibada”.
Martins determinou que o advogado fosse notificado para fornecer informações no prazo de 15 dias, e determinou que a decisão liminar fosse inserida na pauta da próxima reunião plenária do CNJ, para ratificação.
Lewandowski suspendeu a decisão do conselheiro em 24 horas e permitiu a posse do advogado no tribunal baiano.
Até hoje o caso não foi julgado no CNJ. E nem no STJ.
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