Juiz nega que libere presos por ideologia

Frederico Vasconcelos

Tribunal de Justiça de São Paulo deve decidir sobre representação de 23 promotores contra o juiz estadual Roberto Luiz Corcioli Filho.

 

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Corcioli FilhoO Tribunal de Justiça de São Paulo deverá decidir sobre representação oferecida por 23 promotores inconformados com decisões do juiz estadual Roberto Luiz Corcioli Filho, a quem atribuem “falta de imparcialidade e prudência” ao absolver e soltar presos, “especialmente no caso de tráfico de entorpecentes”.

Segundo alegam os membros do Ministério Público Estadual, o juiz titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Itapevi, responsável pelo respectivo Anexo da Infância e Juventude, “possui ideologia contra o modelo de Sistema Penal vigente”.

Corcioli Filho vê na iniciativa o “intuito de intimidação de juiz que adota posições jurídicas plenamente fundamentadas e defensáveis apenas por destoarem daquelas adotadas e defendidas, em geral, pelos promotores subscritores”.

O caso ganha relevância com o noticiário recente envolvendo excessos na atuação da Guarda Civil Municipal. Corcioli Filho tem sustentado em suas decisões que essas instituições não podem efetuar prisões em flagrante.

Reportagem de Fabrício Lobel, publicada na Folha no dia 1/7, por exemplo, revela que a Prefeitura de São Caetano do Sul “mantém de maneira ostensiva em suas ruas guardas-civis com status não oficial de Polícia Militar”.

Dias antes, homens dessa equipe participaram de uma ação suspeita que terminou com a morte de um universitário, na zona leste de São Paulo.

O coronel da reserva da PM e ex-secretário Nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho disse, segundo a reportagem, que a ação de guardas municipais em uma outra cidade foge da sua atribuição: “Qualquer funcionário público municipal tem a competência restrita ao município em que trabalha.”

Em maio, Corcioli Filho anulou as provas colhidas pela Guarda Civil em São Paulo no caso de um adolescente supostamente surpreendido carregando drogas, fundamentando sua decisão na falta de competência para a guarda municipal revistar pessoas.

“O juiz, em sua decisão, considerou ilícita a obtenção da prova, uma vez que no ordenamento jurídico as guardas municipais não possuem a atribuição de patrulhamento e o poder de abordar pessoas”, comentou o site “Justificando“.

Corcioli foi representado à Corregedoria pelo vice-presidente do tribunal paulista, que reformou a sentença em que o juiz apontava a ilegalidade da atuação da guarda municipal, por entender que ela usurpara competência da Polícia Militar.

Não é a primeira vez que Corcioli Filho é alvo de uma representação coletiva de promotores.

Em junho de 2013, Corcioli Filho foi comunicado por um juiz assessor da presidência do TJ-SP que, a pedido do então corregedor-geral, desembargador, José Renato Nalini, cessaria sua designação para atuar no Fórum Criminal Central de São Paulo.

O motivo do afastamento, segundo o juiz, foi uma representação formulada contra ele por membros do Ministério Público insatisfeitos com o teor de suas decisões.

Corcioli Filho entrou com pedido de providências no Conselho Nacional de Justiça, argumentando que seu isolamento da área criminal seria ilegal, e que a representação foi arquivada por decisão do Órgão Especial do TJ-SP no ano seguinte.

Nesta segunda representação, os promotores pedem que Corcioli Filho “seja liminarmente afastado ao menos das funções jurisdicionais na área criminal e infância infracional, incluindo Plantões Judiciários”.

No último dia 13 de junho, o corregedor geral de Justiça, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, determinou a solicitação de informações ao juiz e decidiu que o pedido de liminar seria “oportunamente apreciado”, diante da necessidade de aprofundar o conhecimento das imputações lançadas, “preservando o contraditório”.

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Eis algumas alegações dos promotores:

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– “O representado [Corcioli Filho] possui ideologia contra o modelo de Sistema Penal vigente e favorável ao desencarceramento e absolvições, especialmente nos casos de tráfico de entorpecentes.”

– “(…) O representado relaxou a prisão em flagrante dos indiciados por crime de tráfico de drogas que estavam com 74 tijolos de maconha”, (…) “fundamentou no sentido de que a palavra de policiais civis não é válida e que não havia sido realizada audiência de custódia.”

– “Utiliza-se de premissas indefensáveis” (…), tais como ‘a palavra dos policiais, civis ou militares, é insuficiente’ (…) ‘guardas municipais não podem efetuar prisões em flagrante'”.

– “A sensação que os operadores do Direito têm é que não há limites para o representado, para alcançar seus intentos.”

– “Seguindo sua ideologia contra o modelo de Sistema Penal vigente e favorável ao desencarceramento, vários são os casos em que o representado decide contra texto expresso de lei, visando satisfazer aquela ideologia.”

– “Permitir que o representado continue realizando plantões judiciais fará com que um ou alguns dos criminosos perigosos que ele solta voltem a delinquir, muitas vezes gravemente” (…) “É uma tragédia anunciada.”

 

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Eis trechos da contestação de Corcioli Filho:

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– “No ímpeto de atribuir ao representado a postura narrada, menciona-se na representação até mesmo decisão já apreciada pelo Órgão Especial deste E.Tribunal de Justiça, que decidiu pelo arquivamento da respectiva representação.”

– “[Os promotores] promoveram verdadeira devassa na vida acadêmica do representado.”

– [O representado atribui] “o intuito de intimidação de juiz que adota posições jurídicas plenamente fundamentadas e defensáveis apenas por destoarem daquelas adotadas e defendidas, em geral, pelos promotores subscritores.”

– “É a confusão entre a imparcialidade e a neutralidade do juiz. Ao apontarem a pretensa parcialidade deste magistrado, os autores da representação estão indicando o que seria, na verdade, a sua não-neutralidade política.”

– “O que se está a exigir do representado, na realidade, é que compartilhe dos mesmos valores provavelmente ostentados pelo grupo que subscreve a representação, e não que seja imparcial.”

– “Os subscritores da representação, além disso, apontam que no plantão judiciário realizado nos dias 2 e 3 de abril de 2016, sob responsabilidade do representado, todos os presos e apreendidos foram colocados em liberdade, daí extraindo que este juiz teria atuado em prol de sua ‘ideologia’. Fosse um homologador automático de prisões, por exemplo, certamente não seria alvo de perseguições e empregaria muito menos tempo em seu lavor diário.”