Jurista defende prisão depois da sentença
“Hoje em dia, uma reclamação para o Supremo Tribunal Federal leva três anos para ser julgada. Então, como você vai esperar o trânsito em julgado para colocar alguém na cadeia?”, afirma a jurista Ada Pellegrini Grinover, em entrevista ao site “Consultor Jurídico“.
Esse entendimento –que gerou decisões divergentes no STF e é aceito pelos que criticam os excessos de recursos e chicanas– ganha o apoio de uma parecerista influente.
Ada Pellegrini Grinover diz que “a situação era outra quando se interpretou como presunção de inocência a não possibilidade de prisão depois da sentença”.
Segundo ela, “os processos penais não duravam tanto tempo, a criminalidade era outra. Não era a criminalidade econômica, mas a do ladrão de galinhas, do assassino passional”.
A longa conversa com os jornalistas do “Conjur” Lillian Matsuura e Marcos de Vasconcellos –da qual também participaram os jornalistas Mauricio Cardoso, Thiago Crepaldi e Claudia Moraes– aborda vários temas de interesse sobre os conflitos entre os Poderes, segundo a visão –como diz a apresentação do texto– de “uma das mais respeitadas juristas do país”.
Ela faz críticas ao Judiciário, à Advocacia e ao Ministério Público. Comenta a Operação Lava Jato e as decisões do juiz Sergio Moro.
A entrevista oferece exemplos de sua capacidade de atualização e revisão de conceitos. “As situações mudam e você tem de interpretar a Constituição e as leis de acordo com a situação atual”, afirma.
Quando foi introduzida a questão da presunção de inocência, por exemplo, suas respostas aparentemente surpreenderam os entrevistadores:
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(…)
ConJur – E até o Supremo já admite a execução da pena antes do trânsito em julgado.
Ada Pellegrini Grinover – Fez muito bem.
ConJur – Fez bem?
Ada Pellegrini Grinover – Muito bem. A lei deve ser aplicada de acordo com as mudanças da realidade. No momento em que a Constituição de 1988 foi promulgada, ela precisava ser libertária, garantista – até exagerou neste ponto, porque criou tantos direitos que tudo foi constitucionalizado e pode ir para o Supremo. A situação era outra quando se interpretou como presunção de inocência a não possibilidade de prisão depois da sentença. Os processos penais não duravam tanto tempo, a criminalidade era outra. Não era a criminalidade econômica, mas a do ladrão de galinhas, do assassino passional.
ConJur – A criminalidade econômica não acontecia ou não era conhecida?
Ada Pellegrini Grinover – Eu acho que sempre aconteceu, desde a República. Quando Rui Barbosa, na Primeira República, foi ministro da Fazenda, dizem que já naquela época começou a corrupção. Não tenho esse fato comprovado, mas dizem que por ordem dele foi autorizada a importação de não sei quantos milhares de bidês da França. E foi aí que começou a nossa dívida externa. Então, acredito que crimes econômicos sempre existiram, só que agora temos mais transparência.
ConJur – Na época da Assembleia Constituinte, o crime econômico era mais às escuras? A Constituição de 88 não foi editada para uma realidade de combate ao crime econômico?
Ada Pellegrini Grinover – Não, não se estava combatendo o crime econômico. Fui advogada criminalista em um tempo que o crime econômico nem existia. Nunca vi crime organizado, máfia, organização criminosa, empreiteiras que fraudavam. Pode ser que sempre tenham fraudado, mas não tinha transparência nenhuma. A criminalidade era outra, a sociedade era outra, o tempo dos processos era outro. Hoje em dia, uma reclamação para o STF leva três anos para ser julgada. Então, como você vai esperar o trânsito em julgado para colocar alguém na cadeia? A realidade social mudou e, com isso, é preciso interpretá-la de acordo com a situação atual, e não de acordo com o que o legislador queria naquela época.
ConJur – A vontade do legislador já foi uma forma de interpretar a Constituição, não é?
Ada Pellegrini Grinover – Mas isso está completamente superado. As cláusulas pétreas! Uma Constituição pode ter cláusulas pétreas? Uma nova Constituição não pode dizer outra coisa? Mas voltando à decisão do STF sobre a execução da pena, trata-se de uma interpretação evolutiva. Leia Eros Grau, leia Luís Roberto Barroso sobre isso. O relator [ministro Teori Zavascki] fundamenta a decisão sobretudo no Direito Comparado, porque isso não existe em legislação nenhuma, e no princípio da proporcionalidade de um bem em relação a outro.
ConJur – Mas a norma não fala trânsito em julgado?
Ada Pellegrini Grinover – Fala.
ConJur – E isso não foi atropelar uma previsão constitucional?
Ada Pellegrini Grinover – Mas a norma não diz que é proibido prender até o trânsito em julgado. Diz que há presunção de inocência até o trânsito em julgado.
ConJur – Então o acusado pode ser preso mesmo que seja inocente?
Ada Pellegrini Grinover – Ele não pode ser preso em flagrante? Preso preventivamente? A Constituição nunca disse que não pode ser preso. Ela foi interpretada. Primeiro o Supremo entendeu que podia prender, depois vieram os garantistas, dizendo que não pode prender – eu mesma já sustentei essa tese. E agora mudou de novo a interpretação.
ConJur – A senhora sustentou essa tese quando tinha clientes presos?
Ada Pellegrini Grinover – Não. Defendi essa tese pouco tempo depois de a Constituição entrar em vigor e, naquela época, para mim, esse era o sentido. Mas hoje faço uma análise de jurisprudência evolutiva, de interpretação evolutiva. As situações mudam e você tem de interpretar a Constituição e as leis de acordo com a situação atual.
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A jurista deverá lançar, em breve, o livro “Ensaios sobre a processualidade – Fundamentos para uma nova teoria geral do processo”, no qual defende que a jurisprudência hoje em dia deve ter uma função criadora, ir além das interpretações da lei e da Constituição.
Ela recomendou aos entrevistadores que “é preciso acompanhar a mudança dos tempos”, antes de anunciar que “esse será seu livro mais polêmico”.