Juiz defende recomposição anual dos subsídios
Sob o título “Da necessidade de recomposição dos subsídios“, o artigo a seguir é de autoria de Bruno Machado Miano, juiz titular da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Mogi das Cruzes, São Paulo. (*)
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Há coisas que se repetem no tempo. São ciclotímicas: a evolução não é em linha reta, mas numa espiral, de modo que há altos e baixos, idas e vindas, acertos e erros, contornos e grandes quedas, passos largos, retilíneos, e novas abrupções.
Na grande tragicomédia da humanidade, assistimos a isso. As classes sociais não avançam linearmente, simplesmente açambarcando os direitos conquistados em séculos de lutas; não! Ao contrário, conquistam tais direitos, lutam para conservá-los, nessas lutas, cedem alguns, perdem outros, lá adiante os reconquistam, somam-se outros e assim a vida segue, num eterno porvir, numa eterna tensão.
Numa tensão que alguns dizem ser do capital e do trabalho. Outros, dos grandes e poderosos contra os humildes e fracos. Dos detentores do poder contra o povo. Dê o nome que se dê, há uma tensão entre uma minoria, que domina os meios de produção, o capital, os recursos econômicos e, ipso facto, o poder político, e uma maioria que vive na conquista do pão-nosso de cada dia.
Alguns já incluíram nessa minoria o próprio Estado, enquanto aparelho constituído para perpetuar a relação do capital versus o trabalho. Ou, mais modernamente, para comodificar a relação entre capital e trabalho (J. Habermas e Z. Bauman).
Seja como for, muitos dos servidores e agentes do Estado não deixam de ser povo e, como povo, fazem parte do trabalho a ser usado pelo capital.
E é interessante que a desregulamentação da economia, crucial ao capital, torna-se ainda mais interessante se aplicada inclusive dentro do Estado, para atingir essa massa de trabalhadores. Essa massa pensante de trabalhadores que pode, com o poder estatal que lhe é conferido, atrapalhar o desmantelamento dos mecanismos de proteção ao trabalho, ao consumo, à livre concorrência e à liberdade negocial.
Aí entra o marketing: se estamos todos sujeitos às mesmas intempéries, por que razão esses agentes estatais se veriam livres das regras de mercado, que impõem metas, produtividade, produção fabril – tudo a impedir raciocínio amplo, oxigenação de idéias e livre-pensar?
Esse é o perigo desse pensamento insidioso: conquanto possamos achar justo, num primeiro momento, que todos soframos, porque não quero sofrer sozinho, não posso deixar de antecipar meu pensamento, numa sociedade cada vez mais complexa e cujas ações se projetam no tempo por décadas. Não é válido nivelar por baixo e tampouco projetar frustrações de toda ordem em uma carreira de Estado.
Ademais, não posso cair num silogismo fácil, nem em escapismos emocionais. O Estado foi criado para nos proteger. Deve nos proteger. Deve regulamentar as atividades que oprimem. E não pode, jamais, pôr sob jugo aqueles que, por serem agentes estatais independentes, estão aí para pensar livremente, agir livre e independentemente, e barrar os revezes a que, historicamente, os mais fracos são sempre submetidos.
É preciso fortalecer a parte do Estado que cuida do elemento humano da sociedade. É preciso fortalecer a parte do Estado que, sem armas, esteia-se exclusivamente em sua moral e na força de sua história para assegurar os direitos e as garantias dos cidadãos. É preciso fortalecer a parte do Estado que, sem poder declinar dos processos ou deixar para depois, recebe uma das maiores cargas de trabalho dentre todos os judiciários do planeta, num país doente, que tudo judicializa.
Do contrário, o processo de desregulamentação da economia, de reificação dos seres humanos e de desvalorização dos nossos verdadeiros valores será irreversível, não sobrando Poder para contrastar ao já quase soberano querer do dinheiro.
Prestemos atenção em nosso Judiciário: valorizemos nossos magistrados e saibamos que os subsídios e sua recomposição anual são, sim, garantia essencial de uma carreira que defende o pluralismo e a cidadania.
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