Bússola do juiz e “pixulecos” de ocasião
Sob o título “Fim de Feira“, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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Na vida, só aquilo que muda permanece verdadeiro. O dinamismo das coisas, das inúmeras circunstâncias de luta terrena, nos leva à constatação da fragilidade das posições humanas. Ora se está acima, ora abaixo –ciclicamente. Assim se dá o aprendizado, mesmo de quem se recuse a aprender.
Há muitas formas de se perder, no caminho a percorrer. A pior delas é a empáfia, filha dileta do orgulho vão. Por vezes, o jogo de aparências se impõe, a mascarar o aprendizado, retardar a marcha dos protagonistas e firmar a ilusão. No final, fica só o vazio no coração.
A humildade é base e meta de vida, eterno convite à progressão. E quem dela se afaste, não há duvidar, haverá de sorver o amargor da decepção.
Crescemos, também socialmente, para melhor servir. E melhor servindo, aprender a lição.
A conquista, seja qual for, nunca é só nossa. Deus a concede, para que sirvamos de alicerce em toda situação. E quem se julgue poderoso, diferente dos outros, sem se dar conta, trafega na contramão. É incidente do ego inchado, acidente inevitável àquele que inda não se deu conta da mensagem de vida, na forma de advertência e correção.
Saibamos, pois, perceber os sinais – rumo à nossa evolução. Certos de que há, em tudo, começo, meio e fim – no determinismo da criação.
Assim também no campo da Justiça – mais que noutro qualquer. O homem vira juiz e assume o elevado compromisso de ser justo e servir à população.
Instrui-se, na arte do Direito são. E a uma carreira dá vazão, a envergar a toga, símbolo de alta missão – na saga de sacrossanta obstinação.
É o meio, do começo ao fim, de se encontrar – na atividade de bem-servir, à distância de qualquer senão. O público a superar o privado, sem o mau costume de superior se sentir. Um sentimento de entrega total ao objetivo de ser melhor, na base da integridade de caráter, a lhe mostrar onde deve ir.
Fácil dizer-se juiz. Difícil é se lho construir, por obras que referendem uma vida a serviço da vocação. E quanto mais suba, na escada da instituição, mais se lhe exige o descortino da seriedade da atribuição.
Mormente quando se ascenda à Suprema Corte, de história marcante nesta Nação. Lá, há de emergir o exemplo maior do servir sem impor condição.
O apego despretensioso à letra da Constituição, este o norte do juiz que se diga apto a uma vida de dedicação.
Servir sem exigência, trabalhar sem prepotência, a não merecer repreensão.
Eis o abecedário do verdadeiro juiz, na transparência não corporativa que lhe dê sustentação. Estrada duma só direção.
E deste juiz sempre se espera observe os deveres do cargo, em especial, o apego à letra da Constituição – sem abusiva determinação. Se lhe exige respeito à liberdade de expressão, consciente de que, como figura pública, menos suscetível há de ser aos melindres, próprios do egocentrismo em ebulição.
Resiste às críticas das ruas, na silenciosa compreensão de que a melhor resposta há de vir do exercício correto de sua relevante função. Não se deixa seduzir pela adulação ou falsa percepção de que é um ser em especial posição.
A voz das ruas há de lhe servir de bússola a melhor compreensão de si mesmo, e dos caminhos de sua atuação. Fiel ao tribunal da consciência, não há por que se agastar com os ‘pixulecos’ de ocasião – a não ser o aflija o legado de atos de exceção.
O bom juiz há de fugir da exaltação, certo de que o povo fala segundo sua peculiar percepção. Assim agindo, tornar-se-á alicerce de um país em democratização. Senão, a traduzir só abusiva reação – do que não é de bom tom.
A ação do verdadeiro juiz há de corporificar o interesse exclusivo de fazer justiça, com o escrúpulo ínsito à sua particular atribuição. Não se haverá de servir do povo que lhe é patrão, mas de servi-lo sem hesitação.
Agigantar-se, elevando a Justiça a mais não poder, esta a sua missão, sem partidos ou sinais de conspiração.
E especialmente, enquanto guindado à proeminente posição de presidente do maior tribunal da instituição, há de acalentar a certeza da transitoriedade de sua posição, com a humildade devida por quem haja de dar o exemplo maior de equilíbrio – sem exasperação.
Toda gestão tem início e fim. Aliás, como toda feira. E, sendo certo o final de feira, cabe ao juiz se adaptar aos tempos novos de um novo Brasil, não se furtando ao impositivo de sua modificação. Só então, a verdade lhe será fiel e inalterável companheira no curso da árdua ascensão à condição de magistrado desta grande Nação!