TJ-SP abrirá processo sobre juiz afastado há 24 anos
Conselheiro do CNJ opina pelo reaproveitamento do magistrado –suspeito de fraude eleitoral– “para realização dos ideários da alma”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo deverá iniciar “processo administrativo necessário ao reaproveitamento” do juiz Marcello Holland Neto nas atividades judicantes. A determinação é do conselheiro Emmanoel Campelo, do Conselho Nacional de Justiça, que julgou monocraticamente um pedido do juiz.
O magistrado está em disponibilidade desde 1992 –com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Naquele ano, o Órgão Especial do TJ-SP entendeu que ficou comprovada sua coparticipação em fraude eleitoral, além do recebimento indevido de um “relógio valioso presenteado por um candidato beneficiado” e do recebimento de auxílio moradia pago por uma prefeitura.
O TJ-SP deverá instaurar procedimento administrativo, justificando motivo plausível para a permanência do magistrado em disponibilidade além de dois anos, “oportunizando-se o contraditório”, conforme enunciado administrativo do CNJ.
No julgamento monocrático, contudo, o conselheiro Campelo antecipa sua avaliação de que “deve haver o retorno do requerente ao exercício de jurisdição”.
“Nada justifica impedir que o apenado possa dar continuidade às suas atividades laborativas, essenciais que são para a preservação da dignidade pessoal e, além, para a realização dos ideários da alma, tão ligados à obra que cada ser humano pode construir em seu período de atividade profissional”, opina o conselheiro.
Em 2003, o TJ-SP indeferiu o segundo pedido de reaproveitamento de Holland Neto, por entender que o retorno à atividade jurisdicional “não atende ao interesse público” e porque os fatos que motivaram a pena revelam “um quadro incompatível com a judicatura”.
O conselheiro anota em sua decisão que “o magistrado tem exaustivamente ressaltado que não está questionando a penalidade imposta há 22 anos, que já não comporta qualquer discussão. Ao invés, o que ele quer ver controlada é a perpetuidade da pena de disponibilidade que lhe foi aplicada sem data de fim”.
Em seu pedido, o juiz pretende o imediato aproveitamento nas funções de seu cargo –em caráter definitivo–, “retroagindo e reconhecendo todos os direitos a partir de maio de 2003, quando seu reaproveitamento foi inconstitucional e ilegalmente negado”.
O advogado Daniel Calazans, que representa o juiz em nome da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), informou ao site “Consultor Jurídico” que outros quatro juízes já pediram apoio semelhante à entidade. Disse que Holland Neto sofreu depressão e enfrentou problemas familiares.
Ao negar liminar em mandado de segurança em dezembro de 2013, a ministra Rosa Weber registrou que o juiz teve negado o pedido de reaproveitamento pela via administrativa no TJ-SP, dez anos antes, “e não se tem notícia nos autos acerca de irresignação veiculada perante o próprio Tribunal de Justiça, que seria a instância competente para esse exame”.
Segundo o relatório de Campelo, o TJ-SP alegou “o esgotamento das vias recursais e constituição da coisa julgada administrativa, tendo em vista o antigo Processo de Controle Administrativo já julgado”.
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Eis trechos da decisão do Conselheiro Emmanoel Campelo:
(…) “O §2º do artigo 57 da LOMAN destaca que o aproveitamento far-se-á a critério do Tribunal ou seu órgão especial. Ou seja, não se divisa a constituição de posição jurídica em favor do apenado a obrigar o Tribunal ao reinstitui-lo nas atividade jurisdicionais após dois anos da apenação.
Contudo, indaga-se: Pode a pena de disponibilidade, que tem caráter temporário, converter-se em pena perpétua? Parece que não”.
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(…) “Não faria sentido aplicar a pena de disponibilidade, sem ter a intenção de permitir o reaproveitamento do magistrado punido, como parece ter ocorrido no presente caso, em que o magistrado está em disponibilidade por mais de 22 anos, ou seja, durante quase toda sua vida profissional produtiva.
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“Não há como sustentar um discurso de democracia e respeito quando as penas podem ultrapassar o limite da razoabilidde, estendendo-se por mais de vinte anos, impedindo que o apenado possa empenhar-se em outra atividade profissional.
Ora, os atos praticados pelo magistrado não mereceram a pena máxima de aposentadoria compulsória, portanto, não há como o mesmo ser punido com disponibilidade ‘ad eternum'”.
(…)
Neste caso concreto, considerando que o Plenário deste Conselho já deliberou acerca do tema, entendo que deve haver o retorno do requerente ao exercício de jurisdição.
Certamente o longo tempo de afastamento impõe uma readaptação funcional ou reabilitação necessária, com a frequência de cursos de atualização e aperfeiçoamento e o retorno gradativo à função jurisdicional, até o retorno definitivo do requerente.
Como a questão ora versada já possui precedentes deste Conselho, julgo monocraticamente o presente pedido, determinando ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que inicie o procedimento administrativo necessário ao reaproveitamento do magistrado nas funções judicantes, na forma que couber, de acordo com as regras e práticas usualmente observadas para o funcionamento da atividade judiciária local”.