Olimpíada pode ampliar atuação da Justiça Militar
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Para o MPF, projeto de lei que tramita em regime de urgência contraria a Constituição, a jurisprudência do STF e tratados internacionais.
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A maior participação dos militares na Olimpíada está sendo usada como justificativa para apressar a aprovação pelo Congresso de projeto de lei que transfere provisoriamente para a Justiça Militar a competência para julgar homicídio praticado por militares das Forças Armadas contra civis.
O Ministério Público Federal se opõe à proposta –que não foi submetida a debate com a sociedade–, por considerar que o projeto viola a Constituição e contraria tratados internacionais.
Para o MPF, a proposição – cuja justificativa se pauta na intensa mobilização militar durante o período de realização das Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016 – nasce marcada por inconstitucionalidade.
Trata-se do projeto de lei nº 44.2016, de autoria do deputado federal Esperidião Amim (PP-SC), que aguarda a designação de relator na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, no Senado Federal.
No último dia 12, o senador Hélio José (PMDB-DF) apresentou requerimento de urgência.
Na Câmara Federal, o projeto foi apresentado em sessão extraordinária, em 6 de julho, e apreciado no mesmo dia pelo Plenário.
A proposta legislativa atribui à Justiça Militar, até dezembro de 2016, a competência para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por militares que estejam em “cumprimento de atribuições estabelecidas pelo presidente da República ou pelo ministro de Estado da Defesa”.
Nesse período, a Justiça Militar também seria competente para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civil em “ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante”; e “atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária”.
O projeto atenderia a uma exigência do Exército, ou seja, que os eventuais crimes ocorridos no exercício do papel de polícia sejam considerados militares.
Nesta sexta-feira (29), o MPF encaminhou ao Congresso Nacional nota técnica para subsidiar a análise do projeto. O documento foi elaborado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em conjunto com as câmaras Criminal e de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional.
A nota é assinada pelos subprocuradores-gerais da República Deborah Duprat, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen e Mario Luiz Bonsaglia.
Segundo o MPF, “além de ter sido apresentado sem tempo hábil para um profundo debate perante a sociedade civil e instituições interessadas”, o projeto vai na contramão do que determina a Constituição:
“Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.”
“Parece ser evidente que a consagração de foro especial e temporário para militares que praticarem homicídio doloso contra civil, durante o período de realização das Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, passa ao largo dessa interpretação restritiva”, afirma a nota técnica.
Segundo os procuradores, o projeto amplia indevidamente a competência da Justiça Militar estabelecida pela legislação nacional, além de contrariar jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e posições firmadas pela Comissão de Direitos Humanos da Nações Unidas, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos – que definem a atuação da Justiça Militar apenas para o julgamento de casos que envolvam ofensa às instituições militares.
Ainda segundo o MPF, a redação sugerida pela proposta legislativa viola o princípio do juiz natural, previsto na Constituição Federal e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que trata do direito de toda e qualquer pessoa ser julgada por autoridade judiciária com competência previamente definida no ordenamento jurídico.
Finalmente, o MPF entende que o aumento do número de militares nas Olimpíadas e Paraolimpíadas não deve se sobrepor às disposições previstas na Constituição e nos tratados internacionais. “Há duas décadas, desde a Eco 92 à Rio+20, ocorreram no Brasil diversas mobilizações militares nas ruas e não se cogitou a implementação de medidas legislativas desse tipo”, observa o MPF.