STF julga recursos contra a condenação de Ivo Cassol
Relatora da ação penal, ministra Cármen Lúcia viu tentativas de postergar o cumprimento da pena. Dias Toffoli pediu vista dos autos.
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O Supremo Tribunal Federal deverá julgar nesta quarta-feira (10) um caso relevante, possivelmente ofuscado pelo processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, e pelo noticiário sobre a Olimpíada: são três recursos contra a condenação do senador Ivo Cassol (PP-RO). (*).
O parlamentar foi o primeiro senador condenado pelo Supremo desde a vigência da Constituição Federal de 1988.
Cassol foi condenado em 2013 —por unanimidade— a 4 anos e 8 meses de prisão em regime semi-aberto, pelo crime de fraude a licitações, quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO).
Aparentemente, há divergências na Corte sobre os recursos –embargos de declaração, com pedidos de efeitos infringentes– que seriam uma tentativa de protelar o cumprimento da pena.
Num dos recursos que deverão ser apreciados nesta quarta-feira, o senador opõe embargos de declaração “contra acórdão que, à unanimidade, não conheceu dos embargos declaratórios opostos nos autos da ação penal”.
Em abril, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação penal, votou rejeitando os primeiros embargos de declaração –o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos.
Em junho, a relatora novamente votou rejeitando os segundos e terceiros embargos –considerando-os protelatórios– e novamente Dias Toffoli pediu vista dos autos nos dois recursos. As três sessões foram presididas pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF.
Sob o título “A condenação penal de parlamentar e a perda de mandato”, o blog publicou em 28 de março deste ano artigo de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
O texto é reproduzido a seguir, com o objetivo de contextualizar alguns aspectos envolvidos na questão:
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O plenário do Supremo Tribunal Federal deve analisar (…) embargos de declaração, com pedido de efeitos infringentes, opostos pelo senador Ivo Cassol contra condenação imposta pela Corte em 2013. O recurso, que impede o cumprimento da pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime semiaberto, está na pauta do plenário.
O parlamentar foi o primeiro senador condenado pelo Supremo desde a vigência da Constituição Federal de 1988 e poderá ser o primeiro preso para cumprir sentença.
Cassol foi condenado, por unanimidade, pelo crime de fraude a licitações ocorridas quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002.
O recurso busca a apreciação de “questões incidentais de prejudicialidade, condições do Recurso cabível à defesa, do trânsito em julgado, da causa de interrupção da prescrição inexistente da norma legal e a definição do início do prazo para a defesa”.
Discute-se a questão da cassação diante da condenação penal de parlamentar.
Cassação é a decretação da perda de mandato, por ter o seu titular incorrido em falta funcional definida em lei e punida com esta sanção. Extinção do mandato é o perecimento do mandato pela ocorrência de fato ou ato que torne automaticamente inexistente a investidura eletiva, tal como a morte, a renúncia, por exemplo.
Os casos de cassação de mandato de Parlamentar estão previstos no artigo 55, I, II e VI, que dependem de decisão da Câmara dos Deputados, no caso de Deputado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante a provocação da respectiva Mesa ou de Partido Político representado no Congresso Nacional assegurada a ampla defesa. Aqui a decisão é constitutiva. Será o caso da infração a qualquer das proibições estabelecidas no artigo 54 da Constituição; de procedimento incompatível com o decoro parlamentar e ainda, no caso em estudo, quando sofrer o Deputado Federal condenação criminal em sentença transitada em julgado.
Observo a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2, 2/57, 1991, Saraiva), para quem o procedimento previsto reclama provocação da respectiva Mesa, ou de partido político representado no Congresso Nacional. Assim importa em contraditório que assegure ao interessado uma ampla defesa, que redunda em decisão a ser tomada pela casa respectiva, numa votação secreta, que só determina a perda do mandato se a tanto for favorável a maioria absoluta dos integrantes da Câmara. Assim a Casa julga a conduta do interessado, podendo recusar a perda do mandato se entender essa conduta justificada, no caso concreto.
Assim há quem entenda que a cassação do parlamentar é matéria de reserva do Poder Legislativo.
Os casos do artigo 55, III, IV e V, são de simples extinção do mandato, de modo que a declaração pela Mesa da perda deste é meramente declaratória, envolvendo o mero reconhecimento da ocorrência do fato.
Veja-se que a hipótese não é de mera decisão declaratória, mas constitutiva, pois envolve cassação e não simples extinção do mandato, que incide nas hipóteses do Parlamentar deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Lei.
No passado, no julgamento do Recurso Extraordinário 179.502, o Ministro Moreira Alves entendeu que, enquanto estiver no exercício do mandato, a condenação criminal, por si só, e ainda que transitada em julgado, não implica a suspensão dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a perda do mandato vier a ser decretada pela Casa a que o parlamentar pertencer.
Naquela decisão, em voto lapidar, o Ministro Marco Aurélio, diante do disposto do artigo 55, VI (Perderá o mandato o Deputado ou Senador, que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado), perguntava: Neste caso, é automática a perda do mandato? È uma perda de mandato simplesmente homologada pela Mesa da Casa? Não. Prosseguia o Ministro Marco Aurélio, pedindo que se atentasse que o processo-crime depende da licença da Casa a que esteja integrado o parlamentar. Concedida, responde ele a processo como cidadão comum. Era o cenário, observando-se a redação que foi trazida ao artigo 53 da Constituição Federal pela Emenda 35.
Nesse raciocínio aplicar-se-ia como efeito político da condenação penal a perda de mandato eletivo nas hipóteses previstas no artigo 92, I, ¨a¨ e ¨b¨, do Código Penal.
Sabe-se que o mandato eletivo é o poder político outorgado pelo povo a um cidadão por meio de voto e com prazo determinado, para que governe ou o represente nas Casas Legislativas.
A perda do mandado, como efeito da sentença penal condenatória, deve ser justificada pelo juiz na sentença condenatória, exigindo-se os mesmos requisitos necessários à aplicação do efeito da perda do cargo ou função pública.
Na redação dada ao artigo 92, I, do Código Penal pela Lei 9.268, de 1º de abril de 1996, é prevista a perda do mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação do dever para com a Administração Pública.
O juiz deve de forma motivada decretar a perda do mandato eletivo, entendendo-se que havendo abuso do poder ou violação de dever é cabível o efeito previsto no artigo 92, I, do Código Penal.
A segunda hipótese da perda de mandato eletivo ocorre no caso de condenação transitada em julgado ¨quando for aplicada pena privativa de liberdade com tempo superior a quatro anos, nos demais casos¨.
Mas, o Supremo Tribunal Federal é o supremo guardião da Constituição Federal, do que se lê do artigo 102 da Constituição Federal.
Relembro a lição do Ministro Celso de Mello, externada no julgamento daquele RE 179.602, no sentido de que a norma inscrita no artigo 55, § 2º, da Constituição (Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado pelo Congresso Nacional, assegurada ampla defesa), enquanto preceito de direito singular, encerra garantia constitucional destinada a preservar, salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar, a intangibilidade do mandato titularizado pelo membro do Congresso Nacional, impedindo que uma decisão emanada do Poder Judiciário, um outro poder, implique a suspensão dos diretos políticos e a perda de mandato.
Evitar-se-ia, com isso, qualquer ingerência de outro Poder na esfera de atuação institucional do Legislativo. Isso porque se trata de prerrogativa que é instituída em favor dos membros do Congresso Nacional, e que é consagrada pela Constituição, em atendimento ao postulado da separação de poderes e de fazer respeitar a independência político-jurídica dos membros do Congresso Nacional.
Para o Ministro Lewandowski a cassação do mandato é um assunto político e desta forma a decisão caberia à Câmara dos Deputados.
A Ministra Rosa Weber acompanhou o Ministro Lewandoswki, para quem entre o texto do Código Penal e o da Constituição prevaleceria esta. O Ministro Dias Toffoli destaca a representatividade popular do parlamentar para justificar sua posição. A Ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do revisor, cabendo ao Legislativo a responsabilidade para a cassação.
No entanto, o Ministro Luiz Fux, que seguiu o Ministro Relator, Joaquim Barbosa, pensa que é cabível a cassação do mandato por efeito da condenação do Judiciário.
Contundente a posição do Ministro Gilmar Mendes para quem uma norma que impede a candidatura de condenados não poderia conviver com eventual decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a continuação do exercício do mandato. E alertou que teríamos uma situação incongruente: um parlamentar cumprindo expediente no Congresso Nacional e à noite, recolhendo-se a estabelecimento prisional. Para ele, a condenação criminal implicaria também improbidade, que seria motivo suficiente para a decretação da perda de mandato.
Nessa mesma linha, o Ministro Marco Aurélio argumentou que uma decisão da mais alta Corte do país não pode ficar sujeita a aval político.
Aliás, em seu último voto no Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 470, decidiu o Ministro Cezar Peluso pela perda de mandato eletivo de deputado federal, condenado por crimes contra a Administração Pública.
Como que antecipando o seu voto, o Ministro Celso de Mello discorreu, no julgamento, que o Congresso Nacional não pode interferir nos efeitos que resultam de uma condenação penal transitada em julgado proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal, como se tem noticia, por dez votos a zero, condenou o senador Ivo Cassol a 4 anos, 8 meses e 26 dias de prisão em regime semiaberto por fraude em 12 licitações de obras promovidas pela Prefeitura de Rolim de Moura.
No entanto, por 6 votos a 4, o Excelso Pretório decidiu que o réu deve perder o mandato, mas a palavra final dependerá de deliberação do Senado, em entendimento contrário ao que foi estipulado no julgamento da Ação Penal 470.
Disse o Ministro Joaquim Barbosa:
– Olha a incoerência: decretamos a perda do cargo dos servidores, mas não decretamos a perda do mandado do parlamentar. Quanto mais elevada a responsabilidade, maior deve ser a punição. Não o contrário. Esse é o erro da nossa República.
Para a Ministra Cármen Lúcia, caberia ao STF informar ao Senado sobre a condenação penal à prisão e, a partir daí, a casa legislativa daria o encaminhamento para a decisão. Os Ministros Dias Toffoli e Lewandowski ratificaram posição pelo processo específico nos ditames do artigo 55 da Constituição.
Para a nova posição traçada foram determinantes os votos dos Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que assim disse:
– Eu não acho isso bom. Mas está na Constituição. De modo que eu lamento que tenha essa disposição. Mas a Constituição não é o que eu quero e o que se pode fazer dela.
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Eis o resumo dos recursos que serão julgados: