“Temos que enfrentar a intolerância”
Prioridade de Gervásio Santos, candidato à presidência da AMB, é valorizar os juízes e resgatar a autoestima da magistratura.
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“Estamos assistindo muros sendo erguidos e separando grupos que pensam diferente. É triste, pois somos uma geração que comemorou a derrubada de muros”, diz o juiz Gervásio Santos, candidato da situação à presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) no biênio 2016-2018.
Se for eleito pela chapa “De Magistrado para Magistrado – Construindo uma só voz”, pretende marcar a gestão na maior entidade da magistratura como “o exercício da união”.
Em 2010, Gervásio concorreu às eleições da AMB e foi derrotado pelo grupo liderado pelo desembargador Nelson Calandra, ex-presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis). Seis anos depois, deverá enfrentar como candidato da oposição o juiz Jayme Martins de Oliveira, atual presidente da Apamagis.
Ele diz que aquela eleição “foi um retrocesso institucional”, pois a AMB “perdeu muito em credibilidade e respeito”. E está certo de que poderá debater com o presidente da Apamagis os temas relevantes para a magistratura, “como pede o grave período que o país atravessa”.
“É na tempestade que se conhece o bom marinheiro”, aposta o candidato.
Gervásio Santos tem 51 anos, 25 de magistratura. Ele iniciou a atuação associativa em amplitude nacional em 2005, quando foi convidado para assumir a assessoria da presidência da AMB. Em 2015, foi eleito na chapa da atual diretoria, liderada pelo juiz João Ricardo Costa. Ele é o Coordenador da Justiça Estadual da AMB.
Gervásio Santos é presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA), tendo sido eleito com a maior votação da história da entidade estadual.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida por e-mail. O Blog reservará espaço igual para as propostas do candidato da oposição.
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Blog – Qual será a principal prioridade de sua gestão?
Gervásio Santos – Pretendo priorizar a valorização do magistrado brasileiro e o resgate de sua autoestima. Hoje, vivemos um paradoxo, pois a sociedade não reconhece o verdadeiro valor do juiz, embora todas as questões relevantes para o país, no âmbito público ou privado, passem pelas suas mãos, gerando uma carga de trabalho extenuante e muitas vezes colocando sua vida em risco.
O conceito da nossa chapa – “Construindo Uma Só Voz” – traduz o meio com o qual quero alcançar esse objetivo, buscando a unidade através de uma gestão colaborativa, que tenha como foco a defesa das prerrogativas dos magistrados, de sorte que eles se sintam bem representados.
Blog – O que o levou a disputar novamente a presidência da AMB?
Gervásio Santos – Aceitei a indicação realizada por diversas lideranças associativas para disputar a presidência da AMB porque ainda tenho muito a colaborar. Tenho o preparo e a experiência para enfrentar o desafio de dirigir a AMB neste momento delicado que o país vive. O aprendizado dos meus 25 anos de carreira, parte deles dedicados à vida associativa, me permite conhecer os caminhos que precisamos percorrer para que os nossos pleitos sejam ouvidos no Congresso Nacional, no STF e no CNJ.
Testemunhei o que deu certo e o que deu errado e estou preparado para atender às expectativas dos magistrados brasileiros.
Além disso, vivemos um momento único: temos que enfrentar a intolerância. Estamos assistindo muros sendo erguidos e separando grupos que pensam diferente. É triste, pois somos uma geração que comemorou a derrubada de muros. Isso é uma forma de agir sem prestar atenção no outro nem em si mesmo. É ouvindo o outro que você pode reafirmar o que pensa ou tentar convencê-lo dos seus argumentos e aceitar que o outro é diferente – nem melhor nem pior, apenas diferente. É esta escuta ativa e o exercício da união que quero ter como marca à frente da AMB.
Blog – Em 2010, a chapa liderada pelo Sr. foi derrotada, tendo sido eleito o ex-presidente da Apamagis Nelson Calandra. Como o Sr. analisa aquela votação e qual a sua expectativa ao enfrentar, seis anos depois, a candidatura de Jayme Martins de Oliveira, presidente da Apamagis?
Gervásio Santos – Perder ou cair não é um problema, faz parte da vida. O problema surge quando não se consegue levantar e ir adiante. Eu resolvi prosseguir, olhar para o futuro e dedicar a experiência que acumulei em prol do fortalecimento do Judiciário. O tempo mostrou que a eleição daquele presidente foi um retrocesso institucional. A AMB perdeu muito em credibilidade e respeito, mas não é o momento para invocar o passado. Quanto ao colega Jayme, estou certo que poderemos debater os temas relevantes para classe, como pede o grave período que o país atravessa.
A união da magistratura é meu foco. Quero que cada associado possa dizer: eu pertenço à AMB e a AMB me pertence. É esse sentimento de pertencimento que irá nos unir e permitir a construção de uma voz única em prol da magistratura.
Blog – A comunicação com os associados é um dos pontos importantes de sua plataforma. Em relação à comunicação externa, qual é, a seu ver, a imagem dos juízes na sociedade? Como pretende reforçar o papel da magistratura de primeiro grau?
Gervásio Santos – Tenho por meta ampliar e melhorar os canais de comunicação da AMB com a magistratura, adaptando-a à nova realidade representada pelas redes sociais e pela velocidade da informação. Sei, porém, que o maior desafio nessa área é mostrar à sociedade o importante papel do Judiciário para a estabilidade política, social e ética do país, considerando que não há essa percepção. Ao contrário, a magistratura é criticada e cobrada por deficiência dos outros Poderes, o que gera problemas tais como a judicialização da saúde ou o excesso de ações em áreas reguladas por agências inoperantes. Sem dúvida, no âmbito do Judiciário também precisam ser realizados alguns ajustes para a melhora da sua imagem e o mais importante deles é dotar o primeiro grau, onde está o maior o volume de ações, de condições adequadas de trabalho, sobretudo, quanto à redistribuição de servidores. Vamos dialogar com todas as esferas do Judiciário para dar efetividade à priorização do 1º grau.
Blog – Qual é a sua opinião sobre o auxílio-moradia?
Gervásio Santos – O auxílio-moradia está previsto na Lei Orgânica da Magistratura há quase 40 anos. A defasagem do valor real do subsídio ao longo dos anos propiciou o surgimento das condições econômicas e políticas para a sua implantação, ainda que por força de uma decisão judicial. Entretanto, o seu reconhecimento apenas para os magistrados da ativa gerou um fosso em relação aos proventos dos aposentados, quebrando a paridade com graves danos à carreira. Essa distorção tem que ser solucionada e a fórmula ideal para isso é a recomposição do valor real do subsídio e o retorno do adicional por tempo de serviço em substituição ao auxílio, que em razão da sua conotação peculiar não deixa de ser uma porta aberta a críticas à magistratura.
Blog – Como avalia o episódio das ações movidas por juízes do Paraná contra jornalistas da “Gazeta do Povo”? Em que medida as críticas feitas pelo presidente João Ricardo Costa à iniciativa dos magistrados poderão repercutir na sua campanha no Paraná?
Gervásio Santos – Judiciário forte, autônomo e independente e imprensa livre são requisitos indispensáveis ao Estado Democrático. Sem um o outro sucumbe, portanto, a tentativa de descredenciar o Judiciário por alguns setores da imprensa é um “tiro no próprio pé”. Nesse contexto, é natural que os excessos ou equívocos na veiculação de notícias pela imprensa possam ser questionados judicialmente sem que isso represente um cerceamento da liberdade de expressão. Por outro lado, as manifestações do presidente João Ricardo Costa não constituíram criticas aos magistrados que propuseram as ações, mas sim à estratégia indicada pelo presidente da Associação dos Magistrados do Paraná na condução da questão. O episódio é matéria vencida, até porque a AMB se habilitou como ‘amicus curiae’ na Reclamação protocolada no STF para promover a defesa dos magistrados proponentes das ações. Confio no discernimento da magistratura paranaense, que saberá identificar a nossa candidatura como a mais preparada e experiente para conduzir os destinos da AMB.
Blog – A Operação Lava Jato colocou em evidência o juiz Sergio Moro, considerado, ao mesmo tempo, um herói nacional e alvo de fortes críticas. Qual a sua avaliação sobre o magistrado e a importância dessas investigações?
Gervásio Santos – Os juízes no Brasil têm como característica a independência. Temos ótimos juízes, competentes e sérios, distribuídos por todo País, que cumprem um papel relevante para o fortalecimento da democracia. O juiz Sergio Moro está cumprindo a sua missão institucional com denodo e competência. Sobre as investigações, a Lei Orgânica da Magistratura não permite que eu emita nenhum juízo sobre o que está em andamento, menos ainda, dos processos julgados por outros magistrados. A função do associativismo é defender a ampla liberdade de decidir do magistrado, abstendo-se de fazer juízo de valor sobre o seu conteúdo.
Blog – Como avalia a gestão do ministro Ricardo Lewandowski à frente do CNJ?
Gervásio Santos – O Brasil passa por um momento ímpar e o Poder Judiciário, representado pela sua mais alta corte, tem demonstrado grande independência e a garantia do Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal Federal cumpriu sua atribuição institucional na gestão do ministro Lewandowiski e transmitiu à sociedade a percepção de que a Justiça funciona. Em relação ao CNJ, importantes passos foram dados na sua gestão, dentre os quais, a normatização sobre a redistribuição dos servidores conforme a demanda e a automaticidade do subsídio – ambos pedidos formulados pela AMB.
Blog – Qual a sua expectativa em relação à gestão da ministra Cármen Lúcia no CNJ?
Gervásio Santos – Admiro a ministra Carmen Lúcia por sua capacidade profissional, pela sensibilidade para os temas que afligem à Magistratura e pela demonstração de compromisso com a eficiência do Judiciário. Espero que o CNJ sob a sua presidência possa ter uma preocupação com a figura do juiz, sobretudo, o de 1º grau, que tem um volume bem maior de processos e condições mais precárias de trabalho. Há necessidade de estudar medidas que racionalizem o trabalho do juiz e possam reduzir a sua carga de atribuições.
Blog – Outras observações que considere relevantes.
Gervásio Santos – Estou consciente das dificuldades de dirigir a Associação dos Magistrados Brasileiros no contexto de crise. Mas, é “na tempestade que se conhece o bom marinheiro”. Posso assegurar que tenho o preparo e a experiência para transformar a crise em oportunidade de fortalecer a magistratura e, por conseqüência, o próprio Poder Judiciário.