“Não há mais espaço para blindagens”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A verdade dos fatos como base e meta da delação premiada”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Muito incêndio pra pouca lenha! O confronto entre Gilmar Mendes e Rodrigo Janot, respectivamente, ministro do STF e procurador-geral da República, tendo por base a figura do ministro Dias Toffoli, daquele tribunal, não pode servir de estopim duma crise que, sequer em tese, direta ou indiretamente, debilite a Operação Lava Jato.

A delação premiada, prevista em lei e de indiscutíveis serviços prestados ao Brasil, pela preservação da verdade dos fatos e garantia de positiva punição aos bandidos que o têm saqueado, não pode ser relegada a plano secundário pelo ego inflado de Suas Excelências.

O Judiciário e o Ministério Público, por sua destinação específica, estão muito acima de ministros de tribunais ditos superiores – quais forem – e do representante maior do MP. Aliás, estes não têm o monopólio das respectivas instituições – a serviço da descoberta de verdades que ponham na cadeia bandidos de alto coturno do país.

Tudo se pode, nos termos da lei, em nome da verdade – doa a quem doer. Chega de circo! O espetáculo há de ser bem outro – o da cidadania plena, apta a devassar coisas não reveladas e a dar a cada um, do homem do povo aos ministros da mais alta Corte, aquilo merecido.

Tudo decorre da publicação de reportagem da revista “Veja” sobre Toffoli.

Segundo ela, Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, citou o ministro em capítulo da delação que pretende fazer – sem que, aqui, se entre no mérito do que se teria dito.

Foi o suficiente para que Janot, com a desculpa de se haver ferido compromisso de confidencialidade, anunciasse rompidas negociações visando tornar efetiva aquela delação; como as demais, própria a revelar fatos e permitir apuração de possíveis responsabilidades.

E nem o dito vazamento dos termos da delação justifica a medida, em última instância, na contramão de direção do objetivo principal da descoberta da verdade, de interesse do povo brasileiro. Afinal, o que vale mais: os fatos, apuráveis quais realmente o são, base e meta de toda delação, ou as pessoas eventualmente envolvidas?

No Brasil de hoje, não há mais espaço para atitudes individualistas, corporativistas mesmo, tendentes a blindar a quem quer que seja. A transparência, prima dileta da verdade, é da essência da própria Justiça, a não condescender com impulsos pessoais que firam o objetivo maior da descoberta dos fatos, quais forem, e da aplicação indistinta da lei.

Esta há de valer para sicrano e beltrano. Até mesmo, pois, para ministros da Suprema Corte, que, mais que outros, não se hão de deixar levar por melindres em nada adequados às suas altas funções.

E o que se dizer doutras delações premiadas, em que, de igual forma, se deram vazamentos antes de homologadas, sem que, por isso, se as não concretizassem? Se de Toffoli realmente se vier a falar, em que sentido for, isto não pode ou deve repercutir no ânimo de colegas de tribunal, a ponto de tornar o indivíduo maior que o princípio da verdade a perseguir – ínsito ao Poder Judiciário.

Se não assim, que não se fale em nome da Justiça – a ser aplicada sem restrições ou condições de qualquer espécie. No mesmo tom, a incomum reação do procurador-geral, que tem o dever funcional de fazer valer a letra da lei e a finalidade do esclarecimento dos fatos – acima de quaisquer circunstâncias.

Assim, não se lhe dá, pelo só possível aparecimento do nome de Dias Toffoli na delação premiada iniciada, decidir contra o Brasil, contra a descoberta da verdade, a cujos fundamentos há de servir, negando-se a apurar fatos de grave relevância nacional – pelas implicações circunstancialmente percebíveis.

Erro duplo, pois, do procurador-geral e do ministro Gilmar. Deste, mais sério, na medida em que usa o episódio para criticar proposta do MP e do juiz federal Sergio Moro no sentido de que, em nome dos fundamentos da verdade, provas ilícitas obtidas de boa-fé possam ser utilizadas em ações.

Ou se está com o que de fato o é, com a verdade em sua mais plena tessitura, ou contra ela. Não há meio termo! O Brasil e seu povo tem sede de uma Justiça que não mais se contente com o só jogo de aparência, mas que reflita e traduza os fundamentos da verdade dos fatos na sua maior eloquência.

O interesse maior da Nação brasileira sempre esteve na descoberta das coisas como são, para punição de quem o mereça. E atitudes quais as de que aqui se dá conta não aparentam se ajustar àquele interesse – também da verdadeira Justiça! Se não assim, chegar-se-á ao ponto de se dizer: cada um por si e Deus pelo povo brasileiro.

É que ninguém, absolutamente ninguém, está à margem ou acima da lei. E àqueles que, eventualmente, assim se suponham se poderá tachar, sem medo de errar, de tolos e indignos do cargo ocupado.

Que o procurador-geral cumpra, pois, sem hesitação ou suscetibilidade, o dever ético/funcional de levar adiante delação de interesse da Justiça e da população brasileira – com ou sem o inoportuno protagonismo de qualquer dos ministros do STF.

E que estes, atentos e adstritos à especificidade de sua alta missão, distantes do mau vezo de qualquer espírito de corpo, acima de tudo, no frontispício do tribunal da própria consciência, alteiem o lema: fora da inquebrantável verdade inexiste base à opinião séria. O Brasil merece mais, do melhor!