Sobre perda de mandato e inabilitação de Dilma

Frederico Vasconcelos

Sob o título “In dubio pro reo”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado:

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No comando da fase final do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, decidiu acatar o pedido da defesa da petista de votar separadamente à perda de mandato a inabilitação.

O recurso usado pela defesa de Dilma pretende minimizar os impactos do resultado final do julgamento, de afastá-la em definitivo do cargo. Isso porque, se inabilitada, além de deixar a Presidência da República, a petista fica impedida de exercer qualquer função na administração pública.

Apesar dos apelos da base de Temer, Lewandowski acatou o pedido, atendendo a um pedido do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que o procurou ontem com a solicitação. O ministro argumentou que precisava manter a coerência com a conduta que tem adotado até então e deferir o cumprimento do Regimento Interno do Senado.

Acatada a proposta de votar em separado a inabilitação para cargos públicos para Dilma Rousseff, os aliados da presidente afastada acreditam que, pelo menos nesta questão, vão conseguir uma votação favorável à petista.

A pena principal é a perda do mandato e o afastamento definitivo da presidência e a acessória o impedimento de função pública, perda restritiva de direito, que pode ou não ser aplicada diante da pena principal.

Entendo cabível a hipótese levando em conta posição já externada pelo Superior Tribunal de Justiça. A punição principal não está obrigatoriamente agregada a posição acessória. Caso a presidente seja impedida de continuar no cargo poderá ter o direito de saber dos Senadores, a quem cabe o julgamento político, se pode continuar a exercer os seus direitos políticos.

Cabe o in dubio pro reo.

Veja-se o que se se tem em conta com relação ao julgamento por crimes de responsabilidades dos prefeitos.

Na lição de Hely Lopes Meirelles(Direito municipal brasileiro, 3ª edição, 1977, RT, São Paulo, pág. 904 a 908) para efeito do artigo 1º do Decreto-lei n. 201/67, toda condenação, na pena principal, acarreta a aplicação obrigatória das penas acessórias da perda do cargo de prefeito e sua inabilitação, pelo prazo de 5(cinco) anos, para o exercício de qualquer cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular(artigo 1º, § 2º). A pena acessória da perda do cargo tem a mesma natureza da sanção criminal da pena detentiva principal, sem qualquer conotação política, pois resulta única e exclusivamente da tipificação do crime funcional e não da conduta governamental do punido, que deve ser apurada em outro processo perante a Câmara dos Vereadores.

A conclusão do Superior Tribunal de Justiça, que se embasa em posição do Supremo Tribunal Federal, no AI 379.392 QO/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, é no sentido de que as penas previstas no parágrafo segundo, do artigo 1º, são autônomas em relação a pena privativa de liberdade.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal firmou essa posição ainda no julgamento do AI/QO n. 379.392/SP, DJ de 16 de agosto de 2002, Relatora Ministra Ellen Gracie.

Tal a posição do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 885.452/PR, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 14 de abril de 2008, Recurso Especial 819.738/SC, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 12 de fevereiro de 2007.

No entendimento do Superior Tribunal de Justiça a imposição da pena de perda e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, no que concerne ao artigo 1º, § 2º, do Decreto-lei n. 201/67, decorre da própria condenação, não ficando a critério do magistrado a sua aplicação ou não (HC 106.203/CE, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 27 de abril de 2009). No mesmo sentido tem-se o julgamento do Recurso Especial 799.350/PR, DJe de 13 de outubro de 2009.

Discute o Tribunal Regional Federal da 5ª Região com relação a inconstitucionalidade do citado parágrafo segundo do artigo 1º do Decreto-lei n. 201/67 uma vez que feriria ao princípio da individualização da pena. Tal se lê em face do julgamento do ACR 6.126/AL, DJe de 18 de março de 2010, pág. 97.

O certo é que estamos diante de pena restritiva de direito.

Nessa linha o Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que é possível a redução da pena inserida no artigo 1º, § 2º, do Decreto-lei n. 201/67, como se lê dos julgamentos do ACR 5.082/PE, Relator Desembargador Federal Geraldo Apoliano DJe de 11 de julho de 2011, pág. 268, quando a pena de inabilitação foi modificada para 3 (três) anos.

O entendimento noticiado tem apoio em decisão do Superior Tribunal de Justiça, no HC 88.588, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4 de agosto de 2008, onde se diz que a imposição de perda do cargo depende de adequada motivação, não podendo ser aplicada de forma irrefletida, como efeito automático da condenação.

É a imposição do princípio do princípio da individualização da pena.

Com relação ao Código Penal, Lei Geral em matéria penal, tem-se o artigo 92, que trata dos chamados efeitos específicos. Aqui, o parágrafo único é peremptório ao traçar que os efeitos ali mencionados não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Os efeitos específicos(a inabilitação para o exercício de outro cargo ou função pública) não são automáticos, pois não dependem e são autônomos com relação a pena principal(perda do mandado).

Há o evidente conflito entre lei geral e lei especial. Para eliminação da antinomia, na lição traçada por Norberto Bobbio(Teoria do Ordenamento Jurídico), quando se aplica o critério a Lex specialis não acontece a eliminação total de uma das duas normas incompatíveis, mas somente daquela parte da lei geral que é incompatível com a lei especial.