A roda-viva de Cármen Lúcia no “Roda Viva”
Um mês depois de sua posse na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Cármen Lúcia estará no centro do programa “Roda Viva“, da TV Cultura, nesta segunda-feira (17).
A julgar pelo ritmo que ela tem mantido e cobrado da equipe, será possível obter um primeiro balanço da “mudança rápida e radical” nos trabalhos do CNJ, como anunciou na primeira sessão do órgão, no dia 27 de setembro.
Já foram realizadas duas sessões ordinárias e uma extraordinária do CNJ, com duração de dia inteiro (a segunda sessão extraordinária será no dia seguinte, terça-feira 18).
Impossível não comparar com a gestão do ministro Ricardo Lewandowski, quando o colegiado se reunia apenas a cada 15 dias, no período da tarde, com julgamentos muitas vezes interrompidos por solenidades, homenagens e a pausa para o cafezinho. Sem falar que o então presidente não cumpria o regimento interno, deixando de convocar sessões que poderiam ser presididas pela então vice-presidente quando viajava.
O novo estilo foi aprovado por advogados. “De fato, a primeira sessão da ministra Cármen Lúcia no comando do CNJ foi celebrada. Para começo de conversa, tão logo o relógio deu as nove badaladas, a ministra começou. Tendo previamente estudado os processos da pauta, foi de um dinamismo invejável”, afirmou o site “Migalhas“, muito acessado pelos escritórios de advocacia.
A ministra poderá relatar, por exemplo, a experiência de organizar, ela mesma, as pautas de julgamento no STF e no CNJ. “Quero pautas realistas, que não surpreendam ninguém”, disse. Um dos objetivos é evitar a frustração de advogados que viajam a Brasília e processos pautados não são julgados.
A pauta da segunda reunião do CNJ sob seu comando foi colocada no site no dia seguinte ao da primeira sessão.
Como costuma cobrar da equipe prazos e resultado das tarefas, nesta segunda-feira Cármen Lúcia já terá recebido o primeiro relatório do Grupo de Trabalho criado para avaliar as 258 resoluções do órgão de controle externo do Judiciário.
Quem sabe, ela já tenha uma primeira leitura das normas que não entraram em vigor, ou aquelas que apenas ficaram no papel. “Quanto mais normas tiver, mais fácil é não cumpri-las”, disse ao presidir a primeira sessão do CNJ.
Ao anunciar a criação do grupo para analisar as resoluções, Cármen Lúcia admitiu “a dificuldade apresentada pelos Juízes e Tribunais em dar cumprimento dos objetivos institucionais do Conselho pela ausência de compatibilidade entre muitas delas”.
Ainda não estão claros, por exemplo, quais serão os efeitos de duas resoluções assinadas pelo ministro Lewandowski no final de sua gestão: uma dispõe sobre a “Política Nacional de Gestão de Pessoas no âmbito do Poder Judiciário” –criando em 90 dias comitês de gestão formados por magistrados e servidores; a outra trata da regulamentação do expediente forense no período natalino.
Na última sexta-feira, Cármen Lúcia fez a segunda reunião com presidentes de Tribunais Estaduais. A reavaliação das resoluções do CNJ foi um dos destaques do encontro.
O presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins, Ronaldo Eurípedes de Souza, disse que a compilação das resoluções do CNJ “vai destravar os tribunais”, que não têm condições de cumprir todas as normas.
“A ministra mostra uma preocupação muito grande com a Justiça Estadual. Eu acho que isso é fantástico. Nunca tivemos isso”, afirmou Ronaldo Eurípedes de Souza.
Justiça seja feita, o antecessor abriu as portas do CNJ aos presidentes dos tribunais estaduais, criando em seu gabinete –sem consultar o colegiado– um “conselhinho” formado por representantes do colégio de presidentes de tribunais estaduais –órgão que não pertence à estrutura formal do Judiciário.
Ao participar pela primeira vez de uma sessão do CNJ como presidente do TJ-SP, o desembargador Paulo Dimas Mascaretti ouviu de Lewandowski que aquela era “a casa dos magistrados”. Cármen Lúcia entende que o CNJ é “a casa do cidadão, um órgão estatal”.
Na segunda reunião de presidentes de Tribunais Estaduais no gabinete de Cármen Lúcia, nesta sexta-feira (14), Mascaretti disse que “nós, nos tribunais, vamos procurar contribuir para aperfeiçoar esse trabalho do CNJ”.
Em outros tempos, muitos anos atrás, o então presidente do CNJ não conseguia ser recebido pelo então presidente do tribunal paulista.
A presidente poderá comentar no “Roda Viva” os resultados da mais recente pesquisa Justiça em Números –diagnóstico anual sobre o funcionamento do Poder Judiciário– que será apresentada na segunda-feira à tarde em Brasília. Ela participará da abertura dos trabalhos, pela manhã. À tarde, a diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Maria Tereza Sadek, detalhará os números em entrevista à imprensa.
Sobre o primeiro mês na presidência do Supremo, a pauta é ampla. No plano institucional, sabe-se que é preocupação da ministra a situação degradante dos presídios e, em maior dimensão, a questão da segurança pública nos Estados.
Entre as questões mais polêmicas, coube a Cármen Lúcia o voto de desempate no julgamento em que o STF entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância. A decisão ainda é alvo de fortes críticas da advocacia.
“A Suprema Corte transformou o dia 5 de outubro em um marco da restrição aos direitos e garantias individuais”, afirmou Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).
Técio Lins e Silva, presidente nacional do IAB (Instituto dos Advogados do Brasil), disse que a Constituição “foi mortalmente ferida e sepultada”, pelo seu guardião, o STF.
Quem sabe, Cármen Lúcia poderá comentar a reunião em seu gabinete, quando recebeu –ao lado de presidentes de tribunais superiores– o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Segundo informa a assessoria de imprensa do STF, Meirelles assegurou que a PEC 241 –que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos– preservará a autonomia do Judiciário.
Ao final da reunião, em nome dos demais presidentes de Tribunais , Cármen Lúcia, segundo informa a assessoria de imprensa do STF, relatou que o ministro da Fazenda demonstrou a necessidade de se aprovar a PEC e também enfatizou que a proposta respeita a autonomia do Poder Judiciário. “Todo jurisdicionado brasileiro continuará, apesar do sacrifício, apesar dos apertos do momento, a ter a prestação jurisdicional”, afirmou a ministra.
Para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a maior entidade de juízes do país, a PEC 241 – que pretende fixar limite individualizado para a despesa primária total dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo – “é um atentado ao Judiciário e à sociedade brasileira e fere a autonomia entre os Poderes”.
“A ameaça do governo caso a PEC não passe no Plenário da Câmara é o aumento de impostos e da inflação. Quando o governo atinge o Poder Judiciário, está sacrificando os cidadãos que mais precisam dos serviços públicos”, afirmou João Ricardo Costa, presidente da AMB.
O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Gilberto Schäfer, afirmou, no último dia 9, que “a magistratura espera ver um posicionamento de defesa da ministra Cármen Lúcia em relação aos ataques que o Judiciário, e igualmente o Ministério Público, vem sofrendo no âmbito do Congresso e do governo, que tentam fragilizar a independência dos juízes e promotores, desvalorizando suas carreiras”.
As associações de magistrados e a presidente do STF e CNJ mantêm uma convivência respeitosa, apesar das divergências dos juízes expostas em notas oficiais que refletem o lobby do setor.
“As associações são entidades privadas. Receberei abertamente os dirigentes, pois cumprem o seu papel ao defender os interesses dos juízes”, disse a ministra, às vésperas da posse.
Em suma, não faltará assunto para Cármen Lúcia abordar nesta segunda-feira dentre as prioridades que definiu para a sua gestão: racionalidade, eficiência e transparência.
“O cidadão espera resultados. Ele nos paga para termos eficiência. Quem tem fome de justiça tem pressa”, disse a ministra.