Juízes do Trabalho contestam Cármen Lúcia

Frederico Vasconcelos

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) divulgou, nesta quarta-feira (19), nota pública em que rebate declarações da entrevista concedida pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, ao Programa “Roda Viva” (TV Cultura).

Durante o programa transmitido nesta segunda-feira, Cármen Lúcia considerou inoportuna a aprovação de projeto de recomposição salarial para a magistratura.

Assinada pelo presidente Germano Siqueira, a nota da Anamatra chama a atenção para “os graves enganos que estão sendo ‘vendidos’ pelo Governo em relação ao ajuste fiscal (PEC n. 241/2016), na medida em que a sua eventual aprovação trará efeitos altamente danosos a curto, médio e longo prazos não apenas para juízes e servidores públicos, mas sobretudo para a população mais carente”.

Ao contrário da nota da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) que, na véspera, evitou mencionar que se tratava de uma reação às respostas da ministra, a Anamatra cita a presidente do STF.

Eis a íntegra da manifestação:
NOTA PÚBLICA

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), considerando inclusive o teor da entrevista concedida, na noite desta segunda-feira, pela Excelentíssima Senhora Ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, ao Programa “Roda Viva” (TV Cultura), ao considerar a inoportunidade da aprovação de projeto de recomposição salarial para a magistratura, vem a público afirmar:

1. Os Juízes do Trabalho brasileiros atuam, há anos, com destacada dedicação à causa da justiça social, prestando jurisdição em setores altamente sensíveis para todo o país, resolvendo conflitos entre trabalhadores e empresários. Não por outra razão, o “Justiça em Números” 2016 identificou que as matérias mais demandadas em todo o Poder Judiciário são exatamente aquelas relativas às rescisões dos contratos de trabalho e ao consequente pagamento de verbas rescisórias, atendidas com o menor tempo de resposta possível.

2. Fruto desse trabalho, entre 2005 e 2015 o Judiciário Trabalhista pagou aos jurisdicionados cerca de 208 bilhões de reais, além de promover o recolhimento aos cofres da União na ordem de 3 bilhões em custas, emolumentos, contribuições previdenciárias e imposto de renda. Ao mesmo tempo em que a Magistratura do Trabalho garante a ordem pública social, os direitos sociais fundamentais e o equilíbrio entre capital e trabalho, gera receitas para o Estado, merecendo respeito e valorização.

3. No entanto, ao longo dos anos, sempre que tramitam projetos de lei destinados a apenas revisar, e não aumentar o valor dos subsídios, surgem os mesmos argumentos quanto a não ser o “momento adequado”, postergando os efeitos daquilo que, em termos constitucionais (artigo 37, X), deveria ser assegurado anualmente a todos os magistrados, sendo que a imensa maioria deles sequer exerce outro cargo ou encargo, nem mesmo o de professor, cotista em sociedade de ensino e nem atividades empresariais, estas vedadas a todos os juízes.

4. A Magistratura do Trabalho, cujo padrão remuneratório está bem abaixo da média informada no “Justiça em Números” 2016, não apresenta casos de vencimentos acima do teto constitucional e, nos vários anos sem recomposição integral da sua remuneração, sente os reflexos da corrosão do seu poder aquisitivo, que nem com o projeto atual de revisão de subsídios (o PL n. 27, pendente de apreciação no Congresso Nacional) solucionará a totalidade das perdas inflacionárias, hoje estimadas em mais de 35%, na medida em que o índice previsto em agosto de 2015 de 16,8% (dividido em duas parcelas), já teve em conta a plena compatibilização dos pagamentos com os necessários esforços fiscais em tempo de crise.

5. Ademais, por falar em esforços fiscais, chama-se a atenção para os graves enganos que estão sendo “vendidos” pelo Governo em relação ao ajuste fiscal (PEC n. 241/2016), na medida em que a sua eventual aprovação trará efeitos altamente danosos a curto, médio e longo prazos não apenas para juízes e servidores públicos – cujos vencimentos poderão estagnar por vinte anos, a despeito da inflação que se acumule -, mas sobretudo para a população mais carente, que sofrerá os reflexos da drástica redução orçamentária em áreas essenciais como saúde, educação e justiça. Apenas na Justiça do Trabalho, será reproduzido, por vinte anos, um orçamento que, no ano de 2015, já fora objeto de redução de 90% na área de investimentos, e 30% nas despesas de custeio e manutenção, negando-se ao cidadão um serviço jurisdicional de qualidade, universal e célere. Isto sim merece efetiva preocupação.

6. São necessárias, portanto, alternativas razoáveis, urgentemente, para que a PEC 241, além dos danos estruturais à sociedade, também não sirva de pretexto para inviabilizar a recomposição de perdas históricas do valor dos subsídios da Magistratura nacional, enfraquecendo a carreira e sepultando, com a caneta fria dos burocratas, reduções remuneratórias dos juízes brasileiros, que precisam e merecem ser recuperadas, a bem do ordenamento constitucional e para fortalecimento da independência funcional da Magistratura.

Brasília, 19 de outubro de 2016.

GERMANO SILVEIRA DE SIQUEIRA