Os subsídios e a unidade da magistratura

Frederico Vasconcelos

Senadora Kátia Abreu e Conselheiro Gilberto Martins

Sob o título “Os subsídios e a unidade da magistratura brasileira”, o artigo a seguir é de autoria de Gilberto Valente Martins, Promotor de Justiça do Estado do Pará e ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. (*)

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Nesta quarta-feira (16), a comissão formada pelo Senado, com o propósito de verificar supostos abusos nas remunerações dos membros da magistratura, se reuniu com a presidente do STF e os presidentes dos Tribunais Superiores. Na pauta, conforme noticiado pela mídia nacional, um dos temas centrais foi a questão da desvinculação dos subsídios dos ministros com os demais integrantes do Poder Judiciário.

Sem incursionar nos aspectos republicanos da formação dessa comissão, ficou claro o propósito, dentre outros, que seria desvincular a remuneração dos ministros do STF e das cortes superiores dos demais integrantes do Poder Judiciário, desembargadores e juízes, federais e estaduais.

A Senadora Katia Abreu, presidente da Comissão, em entrevista, afirmou que cobrou a conclusão do julgamento de um procedimento em curso no CNJ, em que ficou estabelecido o escalonamento automático dos subsídios dos magistrados.

Trata-se do Pedido de Providências 0006845-87.2014.2.00.0000 do CNJ, em que fui relator. Na sessão do dia 16 de dezembro de 2014, apresentei voto de mérito, pela procedência parcial, alterando a Resolução CNJ 13/2006, deixando com a seguinte redação o parágrafo único do art. 11:

“Alterado, por lei federal, o valor do subsídio de Ministros do Supremo Tribunal Federal, os Tribunais de Justiça o adotarão, imediatamente, a contar de sua vigência para a magistratura da União, como referência para fins de pagamento de subsídio aos membros da magistratura estadual, extensivo a inativos e pensionistas, observado o escalonamento previsto no artigo 93, V, da CF.”

 

A redação apresentada e o propósito a ser alcançado, ficou evidenciado, foi fazer cumprir os preceitos estabelecidos em nossa Constituição Federal.

Na sessão, após apresentar o voto, nove outros conselheiros acompanharam o relator, tendo sido o julgamento suspenso por pedido de vista de dois conselheiros, conforme Certidão de Julgamento (Id 1612720). Embora o resultado tenha sido consolidado, foi suspenso o julgamento.

Com a aprovação da Lei 13.091, de 12 de janeiro de 2015, atendendo pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), deferi liminar, a fim de assegurar a antecipação dos efeitos da norma do parágrafo único acima mencionada, do art. 11 da Resolução CNJ 13/2006, determinando que os Tribunais de Justiça dos Estados observassem o reajustamento automático do valor do subsídio da magistratura. Decisão essa ratificada pelo plenário.

Por força regimental do CNJ, assim como é em qualquer tribunal, os votos proferidos, em sessão de julgamento, não podem ser modificados ou revistos pelos sucessores. Dessa forma, com a mudança da composição e um placar parcial de dez (10) votos, alcançando maioria, ficou definido o resultado final. Agora, por mera formalidade, para fins de conclusão, deve-se retomar o julgamento.

Devemos buscar na origem as motivações que justificaram a redação do no inciso V, do art. 93 da CF. Tinha-se em vista limitar excessos ou abusos nos tribunais estaduais, com pagamentos que excediam a remuneração dos Ministros do STF ou, por vezes, os pagamentos aviltantes e incompatíveis com a dignidade do cargo da magistratura, decorrentes de retaliações políticas, em evidente ingerência de outros poderes no Judiciário.

Dando ênfase a natureza nacional do Poder Judiciário, assim como do Ministério Público, foi dada a seguinte redação ao citado dispositivo constitucional.

“O subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;” (grifamos).

 

A norma do inciso V, do art. 93, da Constituição Federal, com redação dada pela EC n. 19/98, criou um escalonamento vertical, a partir do subsídio dos Ministros do STF, para todos os níveis da magistratura, federal ou estadual, haja vista que há não apenas uma limitação ao legislador para fixar o valor máximo (“teto”) do subsídio do Desembargador ou Juiz de segundo grau – 95% do subsídio dos Ministro dos Tribunais Superiores – mas também uma limitação para estabelecer o valor mínimo (“piso”) do subsídio, isto é, 90% do subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores, conforme sustentei em meu voto.

Modificar essa regra, entendo que somente através de nova emenda constitucional. Porém, medida dessa natureza enfraqueceria as estruturas do sistema de justiça, tornando mais permeável ao poder político, fragilizando a independência dos Poderes e a própria República.

A Comissão do Senado deveria primeiramente identificar abusos remuneratórios, inclusive violação ao teto constitucional, no próprio legislativo, onde possui servidores de nível médio percebendo mais que Ministros e Desembargadores.

No Judiciário, se existem abusos, deve o CNJ identifica-los e fazer os devidos ajustes, como órgão de controle administrativo e financeiro. Medida nesse sentido deve ser implementada pela Presidente e merecer o apoio dos Ministros do STF e de toda a cúpula do Judiciário. Todavia, se o propósito é enfraquecer, desacreditar e romper a estrutura judiciária nacional desenhada pelo constituinte, devemos resistir fortemente.

A sociedade não pode permitir que a manipulação de dados, a desinformação e essa tentativa de travar o sistema de justiça alcance seus objetivos. O papel da imprensa é fundamental para facilitar o avanço histórico que se processa no Brasil, especialmente no combate a corrupção.

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(*) O autor é Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra.