Projeto anticorrupção e raposas políticas
Sob o título “O novo Brasil x as velhas raposas da política”, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Livianu, Promotor de Justiça em São Paulo e Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
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Hoje será dia extremamente importante para a história do controle da corrupção no Brasil, pois será votado o relatório do deputado Onyx Lorenzoni na Comissão Especial constituída para examinar o Projeto de Lei 4850/16, popularmente conhecido como PL das 10 medidas contra a corrupção.
Vale lembrar que as propostas nasceram de estudo feito pelo Ministério Público Federal a partir de experiências vividas e muito bem-sucedidas em Hong Kong e Cingapura. A base das ideias é recomendada como receita para o combate à corrupção pela Transparência Internacional, principal organismo do mundo hoje voltado para o tema.
A iniciativa do MPF surgiu em meio a vigoroso e corajoso trabalho produzido na Operação Lava Jato, que revelou o maior escândalo de corrupção da história da humanidade, no qual atuaram conjuntamente MPF, magistratura, Polícia Federal e Receita Federal.
Não só revelou como enquadrou detentores de expressivas parcelas de poder político e econômico que sempre se consideraram intocáveis e foram presos preventivamente a partir de profundas e reveladoras colaborações premiadas embasadas na Lei 12850/13, no rastro da ação penal 470 (Mensalão), que havia sido histórica neste sentido.
Após a constatação de que a Lava Jato, apesar de histórica não seria suficiente para consolidar a evolução do controle da corrupção, que demandava urgentes ajustes, especialmente punitivos, o MPF apresentou publicamente as “10 Medidas contra a Corrupção”, na forma de projeto de lei de iniciativa popular.
Vale destacar que a Lei 9840/99 – Lei de Compra de Votos e a Lei Complementar 135/2010 – Lei da Ficha Limpa, marcos do combate à corrupção no Brasil, transformaram-se em normas a partir de projetos de iniciativa popular, o que é vital pela legitimidade conferida às proposituras, fazendo valer a essência da democracia participativa.
Mais de 2.400.000 cidadãos brasileiros assinaram as 10 medidas. Alguns dirão que muitos não tinham a exata dimensão do alcance das propostas, o que pode ser verdade, mas não abala o efetivo sentido do movimento: todos os signatários quiseram o debate legislativo sobre a revisão da sistemática do controle da corrupção.
Sob a presidência de Joaquim Passarinho e a relatoria de Onyx Lorenzoni, a Comissão Especial da Câmara ao longo dos últimos meses ouviu mais de 140 especialistas indicados democraticamente por todo o espectro partidário, o que gerou a construção de relatório de cunho depurador, que manteve a essência das propostas originais, fazendo ajustes em alguns temas polêmicos como os testes de integridade, nulidades processuais e habeas corpus.
O espírito geral foi preservado, implicando em punir de forma mais consistente a corrupção, ampliando prazos prescricionais, eliminando a figura esdrúxula da prescrição retroativa, existente apenas no Brasil, criminalizando o caixa 2 eleitoral, impondo o confisco, impondo mais transparência ao sistema de justiça em relação aos dados dos processos, especialmente referentes a corrupção entre outras.
Eis que diante da iminência da evolução do sistema e do enfrentamento da impunidade, inicia-se forte movimento político de bastidor promovido por velhas raposas da política visando virar a mesa, pretendendo minar o relatório Onyx e sabotar a transformação.
Ontem, o deputado Fausto Pinato, do PP de Paulo Maluf, apresentou voto em separado com algumas proposições. Duas delas chamam a atenção.
Primeiro, a propositura de manter intactas as regras referentes ao sistema de prescrição, que no Brasil é generosíssimo e fonte inesgotável de impunidade, conforme recente matéria publicada na Folha. O mundo utiliza os instrumentos da prescrição da pretensão punitiva e da prescrição da pretensão executória, instituindo prazos para investigar e processar (punitiva) e para aplicar a pena (executória).
No Brasil há uma terceira: a retroativa, objeto de piada por Klaus Roxin em recente palestra em nosso país, quando afirmou que este tipo de anacronismo poderia explicar o 7×1 que sofremos na última copa do mundo para sua Alemanha por total falta de coerência e planejamento de política criminal.
A segunda, é sujeitar membros do MP e magistratura à responsabilização por crimes de responsabilidade, julgados pelo Congresso Nacional, hipótese restrita a detentores de poder político por mandato ou nomeação, em claro movimento oportunista de reação de retaliação à efetividade dos trabalhos de ambas as instituições, que obviamente aceitam debater com serenidade a revisão, por exemplo, da Lei de Abuso de Autoridade, mas não de forma açodada e para servir os interesses pessoais de autoblindagem do presidente do Congresso, investigado em mais de 10 casos de corrupção, que a toque de caixa que aprovar o PL 280.
Esperamos que a aguçada percepção do parlamento prevaleça sobre interesses menores de grupo que não vê problema em estar o Brasil apontado pelo Fórum Econômico Mundial como quarto pais mais corrupto do mundo.