A verdadeira extensão da anistia ao caixa dois

Frederico Vasconcelos

O texto a seguir é de autoria de Newton Fabrício, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

 

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Nunca escrevi sobre política partidária, não vou abrir exceção agora. O que vou fazer é apenas uma análise jurídica, estritamente técnica, do artigo que trata da anistia pretendida pelo Congresso Nacional em relação aos crimes oriundos do chamado caixa dois.

Primeiro ponto: ao contrário do que tem sido divulgado pela mídia, a anistia pretendida não diz respeito apenas aos crimes do chamado caixa dois, delitos que a própria mídia divulga como crimes menos graves.

A situação é muitíssimo mais grave: caso aprovado esse artigo do projeto pelo Congresso Nacional e depois sancionado pela Presidência da República, estarão anistiados os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva; os crimes de lavagem de dinheiro; os crimes de evasão de divisas; os crimes de peculato; e, por fim, os crimes eleitorais relativos ao caixa dois.

Essa é a verdadeira extensão e amplitude do artigo que visa a anistia, fato que não tem sido divulgado pela mídia –talvez até porque, em se tratando de matéria jurídica de cunho penal, os jornalistas não tenham percebido a real dimensão dos fatos criminosos que estariam sendo anistiados.

Segundo ponto: não bastasse a gravidade do projeto de anistia (ironicamente introduzida em “Lei contra a Corrupção”), nenhum deputado se apresentou como autor da proposta.

Pior ainda: a Câmara Federal pretende aprovar o projeto por “acordo de lideranças”. O que isso significa? Sem voto individual, nominativo, de cada deputado, de maneira que não precisarão responder perante os seus eleitores pelo escolha que fizerem, de aprovar ou não essa gravíssima anistia.

Terceiro ponto: o país está não apenas dividido politicamente. É muito mais do que isso: o povo brasileiro está fraturado política e emocionalmente em dois blocos, a ponto do diálogo entre ambos ser quase impossível.

No entanto, a atitude do Congresso Nacional de tentar anistiar uma infinidade de crimes graves, com a repercussão de prejuízos aos cofres públicos de centenas de bilhões de reais, provocou algo impensável até poucos dias: os dois blocos partidários, que antes se agrediam nas redes sociais, estão unidos ao menos nisso –na revolta a essa tentativa de anistia dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, peculatos e crimes eleitorais.

O Brasil não pode compactuar com esse projeto de anistia, curiosamente surgido na calada da noite, após a divulgação de que 200 políticos estariam sendo apontados na delação premiada dos executivos da Odebrecht.