Lava Jato fortalece jurisprudência punitiva
A análise a seguir é de Andre Augusto Salvador Bezerra, presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
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Desde a promulgação da Constituição de 1988 já era esperado maior protagonismo do Poder Judiciário na vida política do país. Pensava-se, porém, que este protagonismo se daria na busca pela efetivação de direitos por parte da população. Isto, de fato ocorreu, o que é facilmente constatável com a marca de mais de 100 milhões de processo que tramitaram ou tramitam no Judiciário neste ano de 2016.
A Lava Jato trouxe um novo protagonismo do Judiciário: a verdadeira criminalização da política.
A punição de agentes públicos, de fato, traz a sensação natural de fim da impunidade das elites em um país, como o Brasil, cujo sistema político sempre passou ileso ao sistema penal. Todavia, o problema de uma operação desta proporção consiste em legitimar a crença do Direito Penal, um ramo do direito seletivo por excelência (basta ver a cor e a classe social de grande parte de nossos presos), para resolução de problemas históricos e estruturais brasileiros, como a corrupção.
Com base nesta crença no Direito Penal, são colocados em segundo plano instrumentos mais eficazes para o combate à própria corrupção, como a maior transparência no trato da coisa pública e a maior participação da sociedade civil para a tomada de decisões de política pública.
E mais: a legitimação da crença no Direito Penal está trazendo -e temo que isso ocorra em 2017 com maior vigor- um endurecimento da jurisprudência como um todo, o que, no final das contas, não atingirá as elites envolvidas em mega operações policiais, mas a grande massa da população carcerária de pretos, pobres e periféricos.
Esta parece ser a grande mudança de rota no Judiciário decorrente da Lava jato: o fortalecimento de uma jurisprudência punitiva, a despeito de eventuais boas intenções daqueles envolvidos em tal operação.
Gostaria, porém, de um outro rumo do Judiciário: o poder garantidor dos direitos e das liberdades públicas; não o poder legitimador do Estado policial.