Corregedor não é defensor e nem ombudsman
Frederico Vasconcelos
O ministro João Otávio de Noronha repetiu na posse do juiz Jayme de Oliveira, novo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), um conceito equivocado que anunciou em agosto deste ano, quando assumiu o cargo de Corregedor Nacional da Justiça.
“Talvez o principal papel da Corregedoria seja blindar os juízes”, discursou na AMB, no último dia 15. “Blindar da mídia, porque juiz não pode ter medo da mídia, e das ações políticas”, segundo relato de Pedro Canário, no site “Consultor Jurídico“.
Não é papel do corregedor ser defensor público ou protetor de magistrados. E não lhe cabe, também, ser ombudsman da imprensa.
A ideia de blindagem de juízes colide frontalmente com as atribuições do corregedor Nacional de Justiça definidas na Constituição Federal.
Compete ao corregedor –em relação a magistrados e aos serviços judiciários– “receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado”, “determinar o processamento das reclamações” e “realizar sindicâncias, inspeções e correições, quando houver fatos graves ou relevantes que as justifiquem”.
A lei é igual para todos. Juízes que se sentem ofendidos por publicações têm o direito de buscar a reparação na Justiça, como qualquer cidadão. A corregedoria não pode servir como muro de proteção.
Em palestra em Belo Horizonte, em setembro deste ano, segundo relato de Sérgio Rodas, no “Consultor Jurídico“, o recém-empossado corregedor disse que magistrados brasileiros têm se sentido “forçados” a sempre condenar réus em ações penais, acuados pelo receio de uma avalanche de críticas, e como consequência passaram a perder a independência para julgar da maneira que lhes parecer mais acertada.
Ainda segundo o mesmo relato, “o ministro reconheceu que parte da culpa por essa pressão é dos próprios juízes, que fixam baixas reparações em casos de abuso da liberdade de imprensa”.
“Manchetes de jornal que aniquilam histórias de vida” devem ser punidas com indenizações rigorosas, disse o corregedor.
A lei pune os excessos da imprensa. Mas a recomendação do corregedor pode soar como intimidação e servir de estímulo para novos juízes aplicarem punições insustentáveis, como a retirada de notícias de sites, indenizações que inviabilizam a atividade de pequenos veículos de comunicação ou a inaceitável censura prévia.
Recentemente, juízes federais divulgaram nota criticando as manifestações públicas do ministro Gilmar Mendes, ao tecer “juízos depreciativos” sobre decisões da Operação Lava Jato e até mesmo decisões de colegas ministros do Supremo Tribunal Federal.
Segundo a nota, o ministro “vem reiteradamente violando as leis da magistratura e os deveres éticos impostos a todos os juízes do país”.
Lá atrás, Mendes já defendeu a censura prévia e criticou magistrados que, por “covardia institucional”, não rejeitavam denúncias ineptas oferecidas pelo Ministério Público.
Membro do Supremo Tribunal Federal não é submetido à corregedoria nacional de Justiça. Por seu temperamento, também não se imagina Gilmar Mendes recorrendo a blindagens, pois tem usado com frequência o direito de mover ações de indenizações quando se julga ofendido.
A atuação do ministro criticada por magistrados talvez se enquadre naquilo que Noronha define como pressão externa que poderia comprometer “a independência dos juízes para julgar da maneira que lhes parecer mais acertada”.
Quando questionado pelo editor deste Blog sobre situações controvertidas, Noronha ofereceu sua versão para os fatos e não alegou pressão indevida:
1) Noronha desobedeceu a uma norma do próprio Conselho Nacional de Justiça. Nomeou como auxiliar da corregedoria, em Brasília, um magistrado que não cumpriu quarentena, pois deveria ter retornado ao tribunal de origem, em São Paulo, uma vez que está fora da jurisdição desde 2010. Noronha disse que “o processo eletrônico permite que o juiz possa trabalhar em seus processos, independentemente de onde ele esteja fisicamente”.
2) Noronha atuou como intermediário ao convidar colegas ministros do Superior Tribunal de Justiça para um jantar com a diretoria do Banco do Brasil, um dos maiores litigantes naquele tribunal. O banco informou que era uma reunião de trabalho. Noronha disse que foi um jantar de amigos. “Chamei alguns colegas. Foi um bate-papo. Não se discutiu processos e nem política”, disse.
3) Noronha votou em dois recursos no STJ cujos interessados são defendidos, cada um, por dois filhos advogados. Ele alegou que a secretaria do órgão julgador, “por equívoco”, não o informou do seu impedimento para participar do julgamento.
Ótimo que o corregedor não tenha recorrido a nenhuma blindagem.