Juiz que mantém a prisão deve garantir a Lei de Execuções Penais

Frederico Vasconcelos

“Cada um que prendemos vira, em geral, financiador das facções”, diz magistrado de Santa Catarina em artigo sobre massacre de Manaus.

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Sob o título “Quem garante os presos são as facções: o caso de Manaus“, o artigo a seguir é de autoria de Alexandre Morais da Rosa, juiz em Santa Catarina. (*) O texto foi publicado originalmente no site “Consultor Jurídico” nesta sexta-feira (6).

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Ouvi de muitos magistrados, membros do Ministério Público e policiais que a responsabilidade por conseguir vagas em presídios é do Poder Executivo. Dizem eles do alto de sua ignorância democrática: “não tenho nada a ver com isso, já que fiz a minha parte”.

Gente que diz isso vive na ilha da fantasia, talvez achando que onde cabem 500, coloca-se 1.000, por portaria do juiz da execução, revogando uma das Leis de Newton: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço.

Em poucos estabelecimentos penais o juiz controla alguma coisa. Tanto assim que se pergunta ao preso recém ingresso no sistema: “de que facção você é?” Dependendo da resposta, encaminha-se para o respectivo estabelecimento dito estatal, comandado efetivamente pelos internos — ou melhor, pela facção.

De outro lado, agentes prisionais estão precarizados, expostos à violência interna e externa e economicamente vulneráveis, explicando muitas vezes ser impossível não colaborar. Trata-se de coação moral irresistível.

O mais paradoxal é que cada um que prendemos transforma-se em soldado ou financiador das facções compulsoriamente. Imagine que quando um recém ingresso mete os pés no sistema prisional, alguém deve garantir sua integridade física e sexual.

Sem proteção dos grupos, vira objeto de sevícias de todos. Se você for cínico dirá que não deve colaborar, mas se for minimamente honesto, saberá que precisa cooperar. Quem não coopera literalmente se ferra. Quando é solto, contudo, é lembrado e visitado pelos “irmãos” que te deram proteção, cobrando mensalmente pelos serviços prestados.

Cada um que prendemos vira, em geral, financiador das facções. Ou seja, em face da atitude alienada dos operadores do direito, todos financiam o crime organizado. Parabéns a você que acha que é um excelente servidor público e vive no mundo das nuvens.

O efeito bumerangue se verifica porque a violência retorna das mais variadas formas, em um caldo em que os populistas de direita e esquerda querem criminalizar tudo, punindo todo mundo, retirando o caráter necessário e excepcional do Direito Penal.

Momentos como o acontecido em Manaus são comemorados pelos abutres da privatização que diriam que isso não aconteceria em regimes privados — até que acontece. De fato, a ocasião faz o ladrão. Na coluna anterior indiquei os perigos de se privatizar para obter-se lucros, atividade tipicamente estatal como o sistema prisional, como dizia Max Weber.

Se existe alguém preso neste país é porque um juiz manteve a prisão e deve garantir os deveres e direitos previstos na Lei de Execuções Penais. Se não garante devem ser apurados os motivos, muito em face da conivência de mentalidade autoritária, já que as decisões de magistrados que efetivam direitos humanos são, reiteradamente, reformadas. O problema de termos uma postura sádica na execução penal é que ela volta, mais dia, menos dia, sobre todos nós.

O lugar da autoridade é respeitado pelo lugar de referência ou pela força/violência. Se você só se faz respeitar por ser violento, cuidado, quando o violado for mais forte, se vingará de você. Olho por olho, dente por dente é a regra da vida. Efetivar direitos de todos é o desafio, embora tenha gente que ache que bandido bom é bandido morto, deliciando-se com umas cervejas e depois dirigindo seu veículo. Vale ler o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, bem assim o artigo 121 do Código Penal.

Queria ter esperanças, mas com esse governo atual, de fato, a coisa piorará, uma vez que apostam no tiro, porrada e bomba. Mas quando você declara guerra, deve esperar também que o outro lado desfira: tiro, porrada e bomba. Esse é o resultado de uma política militarizada.

Recomendo, por fim, ler os seguintes livros de: a) Vera Regina Pereira Andrade; b) Luis Carlos Valois; c) Juarez Cirino dos Santos; d) Juarez Tavares, e) Salo de Carvalho, f) Nilo e Vera Batista; g) Maria Lucia Karam, h) Luciano Góes; i) Thiago Fabres de Carvalho, e j) Alessandro de Giorgi (A miséria governada pelo sistema penal), dentre outros, e abandonar a leitura das revistas semanais. Você pode se informar melhor. Mas talvez seja pedir demais.

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(*) O autor é doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).