Corregedor ameniza punição a tabelião relapso
O Corregedor Geral da Justiça em São Paulo, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, transformou em multa de R$ 30 mil a pena de perda de delegação aplicada a um tabelião com longo histórico de irregularidades, mesmo reconhecendo “a gravidade dos fatos, sua intensidade danosa, a repercussão dos ilícitos e a desordem administrativa no cartório”.
A decisão beneficiou o notário Roque Aparecido Maziero, do 2º Tabelionato de Notas e de Protesto de São José do Rio Pardo (SP). Uma intervenção identificou “desmazelo, imprevidência, gerenciamento à distância da serventia e terceirização da função pública delegada”.
Em novembro último, o corregedor discordou do entendimento do juiz Luciano Gonçalves Paes Leme, assessor da corregedoria, que recomendara a perda de delegação.
Manoel Calças considerou a pena de multa “suficiente, consentânea à função punitiva e ao papel pedagógico das sanções disciplinares”. O corregedor determinou “o pronto retorno do tabelião à serventia extrajudicial”.
Segundo os autos, foi comprovado o “desgoverno da serventia, o desinteresse por funções inerentes ao notário, o desleixo em relação aos atos de conferência” e “o afastamento das atividades diárias”.
“A escolha do filho como substituto é mais um traço da má e ineficiente condução do tabelionato, guiada por relações afetivas e de simpatia”, registra o parecer.
As atividades irregulares se desenvolveram durante cerca de dez anos, em serventia com poucos prepostos –dentre eles dois filhos de Maziero, um atualmente desligado da unidade.
Na apuração das infrações disciplinares, foi comprovado o descontrole gerencial, “relações de afeto e de sangue permeando a organização interna”, cobranças indevidas de emolumentos, cobranças por serviços não executados e falsificação de guias de recolhimento de impostos. Essas fraudes confirmadas são tratadas em outro processo.
Houve falha na conferência de escrituras públicas e na fiscalização do pagamento de tributos.
Uma preposta contratada como auxiliar permaneceu por mais de um ano inscrita como advogada –com conhecimento de Maziero–, contrariando o Estatuto da Advocacia, pois os serviços notariais e de registro são incompatíveis com a advocacia.
Maziero interpôs recurso, inconformado com a sentença condenatória em processo administrativo que lhe aplicou a perda de delegação.
Ele argumentou que “é inocente; desconhecia as ilicitudes praticadas por seu preposto” [a quem, segundo declarou, “considerava um filho”].
Maziero sustentou que “não procedeu com dolo ou má-fé” e que “errou por excesso de confiança”. Alegou, ainda, que “sua exemplar vida funcional não pode ser desconsiderada” e que sua condenação “afronta os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e pessoalidade da pena”.
Ele exibiu cópia de acórdão que o inocentou em relação aos atos de improbidade administrativa que lhe foram atribuídos.
Segundo o parecer do juiz assessor, “para fins de apenação no âmbito censório-disciplinar, sequer a presença do elemento subjetivo é necessária”. “Isso porque os tabeliães e registradores respondem, objetivamente, por condutas culposas/dolosas de escreventes e auxiliares seus”.
Ou seja, Maziero seria responsável, independentemente de culpa, “pelos indiscutidos e incontroversos ilícitos imputados ao preposto”, em razão de funções notariais que lhe foram confiadas pelo tabelião.
“Impõe, assim, desencorajar expedientes que inibam, esvaziem o poder disciplinar, forjem a irresponsabilidade administrativa e, mediante a transferência de responsabilidades para os prepostos e oportunos argumentos associados aos laços de confiança (de sangue ou não), inviabilizem a atuação saneadora, corretiva e pedagógica do Estado e possibilitem (gerem) a perda de credibilidade das instituições notariais e de registro”.
O juiz assessor entendeu que “a aplicação da pena máxima de perda de delegação é compatível com a gravidade dos fatos, sua intensidade danosa, a repercussão dos ilícitos e o desalinho apurado, persistente, a pôr a descoberto grave desordem administrativa, comprometedores da imagem e das instituições notariais, vocacionadas que são a prevenir litígios e a resguardar a certeza jurídica”.
“É a única sanção, apesar da bonomia, boa-fé e dos antecedentes do recorrente –há anos, porém, desconectado de atividades notariais relevantes, desinteressado por suas funções –, que se presta a exercer a função punitiva e o papel pedagógico, de modo a estimular o aperfeiçoamento do serviço notarial e a resguardar a eficácia da punição”, concluiu o juiz Luciano Gonçalves Paes Leme.
Em sua decisão, no entanto, o corregedor Manoel Poças entendeu que “o parecer do juiz assessor da corregedoria comporta pequeno ajuste, então apenas quanto à sanção a ser imposta, em atenção ao histórico do recorrente e aos seus antecedentes”.
Consultada pelo Blog, a diretoria de Comunicação Social do Tribunal de Justiça de São Paulo informou que o corregedor “não se manifestará”.
O tabelião Roque Aparecido Maziero preferiu não comentar a decisão neste momento. Alegou que o fato “é muito recente, sendo difícil falar a respeito”.