‘Presos expõem incompetência das autoridades’
“O Executivo nunca deu muita bola para o problema que agora explode”, diz desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
*
O depoimento a seguir é de autoria do desembargador Fábio Gouvêa, da 10ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Foi publicado originalmente no Facebook como um convite à reflexão sobre a questão prisional. Ele ingressou na magistratura em 1978 e se tornou desembargador em 2005.
***
Fui Juiz Corregedor dos Presídios no Estado de São Paulo por três anos, 1985 a 1988. Naquela época ainda não havia facções. Os problemas eram similares aos de hoje.
O Poder Executivo não construía presídios. O Governo Federal não tinha sequer um presídio. A Justiça Federal em São Paulo mandava seus presos para os estabelecimentos estaduais.
Hoje, enquanto São Paulo construiu e opera inúmeras prisões, a União continua marcando passo. Quase nada fez.
Realizei diversos mutirões, sempre passando presos que tinham condições de promoção do semiaberto para o aberto, permitindo depois com as vagas obtidas no semiaberto promover presos que estavam no regime fechado, alguns na fila de espera.
Quando promovido a Desembargador coordenei esse setor no TJ-SP, até o dia em que o Conselho Nacional de Justiça pretendeu tirar presos direto do fechado para o aberto. Diante desse disparate, pedi para sair.
Nada mudou muito desde então.
Sempre trabalhamos, aqui, em perfeita harmonia com o Poder Executivo. Em alguns outros Estados a situação é calamitosa.
Quem trabalha nos mutirões o faz voluntariamente. A responsabilidade pelo excesso de presos não é do Judiciário, portanto, e que isso fique bem claro.
No nosso Estado os processos são concluídos em prazo razoável, apesar das inúmeras dificuldades, e ainda recursos protelatórios interpostos pela defesa para prolongar o processo e depois alegar que houve demora na instrução!
Há milhares de mandados de prisão não cumpridos, e que, se fossem, abarrotariam os presídios. Estou falando de condenados, e não de presos provisórios!
Os Juízes foram aprovados em concursos rigorosos, e salvo as exceções que também existem em todas as carreiras, trabalham muito e cumprem a Lei. Esta, se é boa ou má, foi parida no Legislativo e sancionada pelo Executivo.
Repetindo, para os leigos: se a Lei de Execução Penal é dura ou mole, nós Juízes não a fizemos, apenas temos que cumpri-la, sem invencionices a favor ou contra os condenados. A população confia nos Juízes.
Se em algum Tribunal Superior (Brasília) a interpretação é diversa, o problema foi deslocado para lá, deixou de ser uma decisão da Justiça Estadual e caiu em outro planeta.
Estou sendo óbvio para que quem ler isso aqui pare para pensar antes de ficar desagradado com as decisões dos Juízes Estaduais, os quais, com certeza, não trabalham para agradar ninguém, só para cumprir a Lei.
Da minha trincheira e com a minha caneta, vou continuar fazendo o que sempre faço, há quase quarenta anos: tentar cumprir a Lei da forma mais eficiente e rápida possível.
Antes de terminar, quero assinalar de forma bem clara o que penso da Lei de Execução Penal. Ela é péssima, porque partiu do princípio de que o Brasil teria recursos financeiros para torná-la atuante.
O Executivo, e não discuto prioridades, na verdade nunca deu muita bola para o problema que agora explode. Mas, repito, a culpa não é dos Juízes, e sim de quem não destinou dinheiro para educação, saúde e agora quer que tudo funcione.
Estamos usando bandeide para curar fratura exposta. Muita falação na mídia mas ninguém tem solução imediata para o problema.
Só os presos, que à moda deles, estão esvaziando algumas prisões, expondo a incompetência das chamadas “otoridades”. Valeu Magistratura Free!