O incrível caso do juiz em disponibilidade há 25 anos
O Conselho Nacional de Justiça noticiou, nesta terça-feira (7), a derrubada de uma liminar para que o Tribunal de Justiça de São Paulo prossiga o processo de aproveitamento de um magistrado que foi colocado em disponibilidade há 25 anos.
Ao comentar o caso e defender a necessidade de atualização dos magistrados, a ministra Cármen Lúcia afirmou: “Nós temos juízes de excelência e ótimas escolas. E temos ótimas possibilidades, portanto, de fazer com que retorne com a segurança que o cidadão tem de ter”.
“Aprender a aprender” — para nós juízes é uma ordem necessária a cada manhã”, disse a presidente do CNJ.
Faltou ao CNJ informar que o magistrado –juiz Marcello Holland Neto– está em disponibilidade desde 1992, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, porque o Órgão Especial do TJ-SP entendeu que ficou comprovada sua coparticipação em fraude eleitoral, além do recebimento indevido de um “relógio valioso presenteado por um candidato beneficiado” e do auxílio-moradia pago por uma prefeitura.
O relator anterior, conselheiro Emmanoel Campelo, sustentou que “nada justifica impedir que o apenado possa dar continuidade às suas atividades laborativas, essenciais que são para a preservação da dignidade pessoal e, além, para a realização dos ideários da alma, tão ligados à obra que cada ser humano pode construir em seu período de atividade profissional”.
O juiz está pleiteando, 25 anos depois, o imediato aproveitamento nas funções de seu cargo –em caráter definitivo–, “retroagindo e reconhecendo todos os direitos a partir de maio de 2003, quando seu reaproveitamento foi inconstitucional e ilegalmente negado”.
Como este Blog registrou em julho de 2016, pelo menos três tentativas de retorno do juiz foram frustradas.
Em 1994, o TJ-SP indeferiu o pedido de aproveitamento, porque havia sido formulado prematuramente.
Novo pedido formulado muito tempo depois –em 2003– foi indeferido.
“O retorno do requerente ao exercício da atividade jurisdicional não atende ao interesse público’, uma vez que ‘os fatos que deram lastro à imposição da pena revestem-se de intensa gravidade (…), a desaconselhar o reaproveitamento colimado. Revelam, na realidade, um quadro incompatível com a judicatura’“, decidiu o TJ-SP.
O juiz protocolou pedido ao Conselho Nacional de Justiça, que não apreciou o caso, porque –segundo o então relator do Processo de Controle Administrativo– o órgão tem competência apenas para o controle de atos administrativos dos tribunais.
O juiz impetrou mandado de segurança no STF –tendo como órgão coator o CNJ– sustentando a “impossibilidade de manutenção de pena perpétua, situação decorrente, na prática, da negativa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em acolher pedido de reaproveitamento do impetrante”.
Em dezembro de 2013, a ministra Rosa Weber indeferiu o pedido de liminar. Ela entendeu que o “eventual acolhimento desses pedidos implicaria reforma não da decisão do CNJ, que nada dispôs a respeito, mas sim da decisão (aparentemente proferida há dez anos) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.
A ministra relatora registrou que o juiz teve negado –dez anos antes– o pedido de reaproveitamento pela via administrativa no TJ-SP: “Tal pedido foi negado e não se tem notícia nos autos acerca de irresignação veiculada perante o próprio Tribunal de Justiça, que seria a instância competente para esse exame“, afirmou Rosa Weber em sua decisão.
O advogado Daniel Calazans, que representa o juiz em nome da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), informou ao site “Consultor Jurídico” que outros quatro juízes já pediram apoio semelhante à entidade. Disse que Holland Neto sofreu depressão e enfrentou problemas familiares.
“É, no mínimo, um resgate do exercício da dignidade de um homem.” (…) “Talvez seja a maior pena administrativa já cumprida neste país. Nem mesmo na ditadura tivemos fato semelhante”, afirmou à publicação o presidente da Anamages, juiz de direito Magid Nauef Láuar.
Segundo o CNJ informou nesta terça-feira, a conselheira relatora do procedimento, Daldice Santana, havia dado uma liminar suspendendo uma das etapas do processo de reintegração definido pelo TJ-SP — a reavaliação da capacidade técnica e jurídica.
O autor da divergência, conselheiro Bruno Ronchetti, considerou não haver ilegalidade na portaria do TJ-SP, uma vez que falta regulamentação nacional para o processo de reaproveitamento de magistrado colocado em disponibilidade. Além disso, o tribunal jamais havia sido obrigado a reintegrar um juiz nessas condições.
Segundo Ronchetti, por meio da reavaliação da capacidade técnica e jurídica, o TJ poderia saber se o magistrado afastado se mantivera atualizado com as mudanças ocorridas na legislação e na jurisprudência desde 1991, ano em que foi posto em disponibilidade.
Presente à sessão, Cláudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou: “Confesso que fiquei impressionado com este caso, espero que seja um ponto fora da curva. É inadmissível imaginar que um magistrado possa ficar em disponibilidade por 25 anos, e ainda recebendo. Quem paga esta conta é o cidadão, que quer efetivamente celeridade”.