Prisão preventiva e o caso do ex-goleiro Bruno

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Prazo de execução da prisão preventiva: caso prático“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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A prisão preventiva é espécie de prisão provisória, que surge no transcorrer da persecução penal. Assim é possível que se faça o encarceramento do indiciado ou mesmo do réu, antes do marco final do final do processo.

É a prisão sem pena, a prisão cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da excepcionalidade do que se lê do artigo 5º, LVII, da Constituição, observando-se que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada ¨quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria¨, como se lê do artigo 312 do Código Penal. Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal.

A isso se soma como requisito a existência de ¨indícios suficientes de autoria¨, que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito.

Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.

O certo é que a Lei 12.403/11 manteve os requisitos da prisão preventiva: prova da existência de crime (materialidade); indícios suficientes de autoria (razoáveis indicações da prova colhida); garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal.

O juiz, a teor do artigo 311 do Código de Processo Penal, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, poderá decretar a prisão preventiva, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Na fase da investigação policial, não cabe ao juiz decretar, de oficio, a prisão preventiva, mas, sempre a pedido do Ministério Público, da autoridade policial, do assistente da acusação, do querelante.

As alterações havidas dizem respeito à legitimidade e oportunidade da decretação: a) somente o juiz pode decretá-la, de oficio durante o processo ( não mais pode fazê-lo, como antes, durante a investigação; b) permite-se ao assistente da acusação requerê-la, o que antes não ocorria. Tal expediente praticamente esvazia a prisão preventiva durante o inquérito levando a necessidade de oportunizar a chamada prisão temporária, quando for o caso.

Daí porque a prisão preventiva está sujeita a prazo.

Para Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, São Paulo, 2013), a jurisprudência construiu entendimento no sentido de que o prazo para encerramento da instrução criminal ocorreria após 81 dias, atualmente, 86 dias de prisão, em flagrante ou preventiva, após o que seria possível a impetração de habeas corpus, fundado no excesso de prazo, no âmbito da Justiça Federal, à luz da Lei 11.719/08, prazo que pode chegar a 107 dias se houver prorrogação no prazo do inquérito.

Sempre que houver ilegalidade da prisão, cabe o relaxamento. Assim se há liberdade provisória, não estamos diante de prisão ilegal. Quero dizer que com o reconhecimento do relaxamento da prisão, com a soltura do preso, não haverá qualquer imposição a ele de restrições de direitos, pois é caso de anulação, não revogação, de ato praticado em violação à lei.

Da mesma forma, se há excesso de prazo na prisão preventivamente decretada, o tribunal, por via de habeas corpus ou mesmo de recurso nominado, deverá cassar a decisão, determinando o relaxamento da prisão, cuja continuidade seria ilegal.

O anteprojeto do Código de Processo Penal dispõe:

 

Quanto ao período máximo de duração da prisão preventiva, observar-se-ão, obrigatoriamente, os seguintes prazos:
I – 180 (cento e oitenta) dias, se decretada no curso da investigação ou antes da sentença condenatória recorrível, observado o disposto nos arts. 15, VIII e parágrafo único, e 32, §§ 2º e 3º;
II – 180 (cento e oitenta) dias, se decretada ou prorrogada por ocasião da sentença condenatória recorrível; no caso de prorrogação, não se computa o período anterior cumprido na forma do inciso I deste artigo.
§1º Não sendo decretada a prisão preventiva no momento da sentença condenatória recorrível de primeira instância, o tribunal poderá fazê-lo no exercício de sua competência recursal, hipótese em que deverá ser observado o prazo previsto no inciso II deste artigo.
§2º Acrescentam-se 180 (cento e oitenta) dias ao prazo previsto no inciso II deste artigo, incluindo a hipótese do §1º, se houver interposição, pela defesa, dos recursos especial e/ou extraordinário.
§3º Acrescentam-se, ainda, 60 (sessenta) dias aos prazos previstos nos incisos I e II deste artigo, bem como nos §§1º e 2º, no caso de investigação ou processo de crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 12 (doze) anos.
§4º Os prazos previstos neste artigo também se aplicam à investigação, processo e julgamento de crimes de competência originária dos tribunais.

 

Nessa linha de pensar, tem-se que as cortes europeias têm limitado o tempo a no máximo seis meses, mesmo no caso de suspeitos de terrorismo, fugindo do chamado “direito penal do inimigo”.

Certamente não se pode manter uma prisão preventiva diante da possibilidade do acusado, investigado, colaborar com a apuração da infração penal.

Assim manter a prisão preventiva puramente para que se consiga uma confissão ou delação do réu ou investigado é exorbitar dos limites que são dados pela Constituição.

Distante disso é manter a prisão preventiva para a garantia da ordem pública.

Este conceito não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. Leve-se em conta decisão do Supremo Tribunal Federal (RTJ 124/1033) no sentido de que a conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa.

Argumente-se que se é certo que a gravidade do delito por si só não basta à decretação da custódia provisória, não é menos exato que a forma de execução do crime, a conduta do investigado somada a outras circunstâncias provocam o clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública. (RTJ 123/57; RT 535/257).

Veja-se um caso prático.

O site de noticias do STF, de 24 de fevereiro de 2017, noticiou que “o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar no Habeas Corpus (HC) 139612, impetrado em favor do ex-goleiro Bruno Fernandes das Dores de Souza.

O relator apontou que a defesa de Bruno apresentou apelação junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) contra a decisão do Tribunal de Júri de Contagem (MG), que o condenou em março de 2013, mas o recurso ainda não foi analisado.

“A esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há 6 anos e 7 meses. Nada, absolutamente nada, justifica tal fato. A complexidade do processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória”, afirmou o ministro.

Bruno foi condenado a 22 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes de homicídio qualificado, sequestro e cárcere privado e ocultação de cadáver de Eliza Samudio e preso preventivamente desde julho de 2010.

Segundo o ministro Marco Aurélio, não há, na legislação brasileira, a segregação automática tendo em conta o delito possivelmente cometido, levando à inversão da ordem do processo-crime, que direciona, presente o princípio da não culpabilidade, a apurar-se para, selada a culpa, prender-se, em verdadeira execução da pena, ressaltou.

O relator afirmou que a decisão do Tribunal de Júri de Contagem de negar pedido da defesa para o ex-goleiro ser solto considerou a gravidade concreta da imputação e o clamor social.

“Reiterados são os pronunciamentos do Supremo sobre a impossibilidade de potencializar-se a infração versada no processo. O clamor social surge como elemento neutro, insuficiente a respaldar a preventiva. Por fim, colocou-se em segundo plano o fato de o paciente ser primário e possuir bons antecedentes”, destacou.

O ministro Marco Aurélio determinou a expedição do alvará de soltura caso Bruno não se encontre recolhido por motivo diverso da prisão preventiva formalizada no processo do juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem.