Denúncia contra militar acusado de estupro é rejeitada
No Dia Internacional da Mulher, Ministério Público Federal emite Nota Pública em que lamenta a decisão da Justiça Federal de Petrópolis.
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A Câmara Criminal do Ministério Público Federal divulgou nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, nota pública em que lamenta decisão da Justiça Federal de Petrópolis que rejeitou denúncia do MPF contra militar acusado de torturar e estuprar Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, como ficou conhecido o centro clandestino utilizado por agentes da ditadura.
Em seu despacho, o juiz federal afirma que os fatos denunciados estão protegidos pela anistia e prescrição, argumento já afastado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e acusa o MPF de criar um “tribunal de exceção” por ter constituído grupo voltado à investigação dos crimes cometidos durante a ditadura militar.
Eis a íntegra da nota pública, assinada pela coordenadora da Câmara Criminal, subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen.
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NOTA PÚBLICA
No dia internacional do direito das mulheres, o Ministério Público Federal tomou conhecimento da lamentável sentença proferida pelo juiz federal da 1ª Vara de Petrópolis, que rejeitou a ação penal da Procuradoria da República pelo estupro da única sobrevivente da Casa da Morte, Inês Etienne Romeu, falecida em 2015.
Além de afirmar que os fatos denunciados estão protegidos pela anistia e prescrição, argumento já afastado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o magistrado acusa o MPF de criar um “tribunal de exceção” por ter constituído grupo voltado à investigação dos crimes cometidos durante a ditadura militar. Segundo o magistrado, “não há qualquer indício de existência da narrativa ali descrita”.
Militante da organização Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Inês Etienne Romeu foi sequestrada por agentes da ditadura militar em maio de 1971 e levada ao centro
clandestino de torturas posteriormente denominado de “Casa da Morte”, em Petrópolis.
Naquele local, foi barbaramente torturada e estuprada por pelo menos duas vezes, por um militar. Denunciou o fato à OAB em 1979, após o início da “abertura lenta e gradual”, tornando-se uma das principais testemunhas do funcionamento clandestino e ilegal da repressão política. Assim como todos os demais crimes cometidos contra dissidentes políticos, os estupros contra Inês remanesceram não investigados até 2013.
Em razão da ordem judicial de busca e apreensão, pedida e cumprida pelo MPF, foi possível, após quase três anos de investigações, descobrir a verdadeira identidade do
torturador e estuprador.
Além de sustentar que os crimes foram anistiados e estão prescritos, a decisão judicial desqualificou todas as provas obtidas pelo MPF e, o que é pior, desqualificou o próprio valor probatório da palavra da vítima nos crimes sexuais, ao afirmar que o fato só foi relatado após 8 anos do ocorrido, como se as portas da Justiça daquele período estivessem abertas a todos os que foram sequestrados, torturados ou desaparecidos por agentes do Estado.
A única certeza do magistrado volta-se contra a vítima, por ele qualificada como perigosa terrorista. Com base nesta certeza, o juiz federal conclui sua sentença dizendo que “ninguém é contra os direitos humanos, desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas”.
Como se trata de uma ação penal por crime de estupro, imagina-se que a “vantagem à minoria selecionada”, referida pelo magistrado, seja o direito de todas as mulheres de não sofrerem violência sexual.
O Ministério Público Federal, por intermédio de sua Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria Criminal, lamenta veemente tal concepção, pois nenhuma mulher, ainda que
presa ou condenada, merece ser estuprada, torturada ou morta. E tampouco pode o sistema de justiça negar desta maneira a proteção da lei contra ato qualificado no direito internacional como delito de lesa-humanidade.
O MPF também repudia a grave acusação de que as investigações das graves violações a direitos humanos cometidas por agentes do Estado ditatorial constituem “tribunal de exceção”.
As 27 ações penais até agora propostas são o resultado de dedicado e difícil trabalho de investigação desenvolvido por procuradores da República em São Paulo, Rio
de Janeiro, Petrópolis, Marabá e Rio Verde, e estão embasadas em provas testemunhais, documentais e periciais concretas. O MPF, além disso, não funciona como tribunal pois não julga, limitando-se a investigar e ajuizar as ações penais para que a Justiça decida sobre o mérito da causa, respeitado o direito ao contraditório e à ampla defesa.