Supremo retira o véu do caixa de campanha
Sob o título “A propina e as doações de campanha“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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Importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal retira o véu do chamado caixa 1 de campanha, demonstrando-se que também por essa forma há hipótese de recebimento de propina por parte de agente público.
Sendo assim o fato de a propina ser paga sob a forma de doação eleitoral é irrelevante para análise da tipicidade do crime de corrupção passiva.
O jornal “O Globo”, na edição desta quarta-feira (8), informou que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, no dia 7, que um candidato pode ser processado por receber propina disfarçada de doação de campanha declarada à Justiça Eleitoral.
No caso específico, foi aberta ação penal contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que teria recebido doação da Queiroz Galvão de R$ 500 mil em 2010. Há suspeita de que o dinheiro foi desviado de contratos da empresa com a Petrobras.
Quanto aos fatos destacou o site da PGR, em 8 de março do corrente ano:
“De acordo com a denúncia, o valor recebido por Valdir Raupp foi pago pela empresa Queiroz Galvão, sob o disfarce de doações eleitorais “oficiais” para a campanha ao Senado de 2010. Também foram denunciados os assessores parlamentares Maria Cléia Santos de Oliveira e Pedro Roberto Rocha, que teriam contribuído para o recebimento da propina.
Conforme as investigações da Operação Lava Jato, Paulo Roberto Costa solicitava e recebia pagamentos ilícitos de empresas mediante a celebração de contratos com a Petrobras, para que elas recebessem benefícios indevidos da estatal. Parte desses valores eram repassados a agentes políticos para assegurar sua permanência no cargo e a manutenção do esquema criminoso.
A denúncia destaca que a propina foi acertada entre Alberto Youssef e Maria Cléia Santos de Oliveira e, seguindo determinações de Valdir Raupp, os recibos foram emitidos por Pedro Roberto Rocha. Na acusação, Janot afirma ainda que os pagamentos foram feitos em favor do Diretório Estadual do PMDB de Rondônia, nos valores de R$ 300 mil em 27 de agosto de 2010 e R$ 200 mil em 1° de setembro de 2010.”
O relator, ministro Edson Fachin, concluiu que a peça inicial acusatória atende aos requisitos do CPP. “Narra a denúncia a prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Há descrição compreensível das condutas imputadas, com indicação de tempo, lugar e modo.”
Segundo o ministro Fachin, ainda que haja “certa inconsistência” sobre a pessoa responsável a passar para Paulo Roberto Costa a solicitação indevida de Raupp, “não há dúvidas de que o repasse foi feito e de valores oriundos da Petrobras”.
“Os demais indícios não são abaláveis, pois suficientes nesta fase para corroborar a tese acusatória de que Valdir Raupp teria solicitado e recebido valores espúrios oriundos da Petrobras. Tais pontos das delações são convergentes.”
A afirmação mais contundente acerca do uso de doação oficial à campanha para lavagem de dinheiro partiu do decano, ministro Celso de Mello:
“A prestação de contas à Justiça Eleitoral pode constituir meio instrumental viabilizador da prática do delito de lavagem de dinheiro, se os recursos financeiros doados, mesmo oficialmente, a determinado candidato ou a certo partido político, tiverem origem criminosa resultante da prática de outro ilícito penal, denominada infração penal antecedente, como os crimes contra a Administração Pública, por exemplo, pois configurado este contexto que traduz uma engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará como típico expediente de ocultação ou até mais, de dissimulação do caráter delituoso das quantias doadas em caráter oficial, oriundas da prática, por exemplo, do delito de corrupção.
E esse comportamento, menos do que ousado, constitui um gesto de indizível atrevimento e de gravíssima ofensa à legislação da República na medida em que os agentes da conduta criminosa, valendo-se do próprio aparelho de Estado, objetivam por intermédio da Justiça Eleitoral, e mediante defraudação do procedimento de prestação de contas, conferir aparência de legitimidade a doações integradas por recursos financeiras manchados em sua origem pela nota da delituosidade.”
Havia o domínio do fato por parte do agente.
Nosso Código Penal, no artigo 29, quando dispõe sobre o concurso de agentes, discutindo sobre a coautoria, não adota o critério formal-objetivo, quando se diz que seria autor aquele que realizasse a ação executiva, a ação típica. Ora, e o mandante? Por esse critério, o organizador do projeto delituoso que não seja executado diretamente por ele não pode ser considerado autor.
Tal entendimento, que foge da realidade, é contestado pela teoria final-objetiva, que adotamos, à luz da chamada teoria finalista, de origem germânica, fruto das lições de Roxin, Wessels, dentre outros.
Assim autor será aquele que, na concreta realização do fato típico, o domina mediante o poder de determinar o seu modo e, inclusive, se for o caso, de interrompê-lo.
Com o domínio do fato temos a comum resolução para ele, da parte dos criminosos que dela participaram em conjunto, tudo em regime de divisão de trabalho ilícito.
Há indícios evidentes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Aparece o crime de corrupção passiva, nos seguintes termos, no artigo 317 do Código Penal: ¨solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.¨
Como bem disse Heleno Claudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Especial, volume II, pág. 416) a venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias formas, comprometendo a eficiência do serviço público e pondo em perigo o prestigio de toda a administração.
A corrupção do agente público, na forma de corrupção passiva, corresponde a ação do particular que a promove ou dela participa e que se denomina corrupção ativa. Na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente a do corresponde autor da corrupção ativa.
O crime é tipicamente formal e se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida ou aceitação da promessa de tal vantagem, sem que se exija outro resultado.
Por sua vez, o delito de corrupção ativa se materializa no fato do particular oferecer(exibir ou propor para que seja aceita) ou prometer(obrigar-se a dar) vantagem indevida a funcionário público para levá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, que, por óbvio, deve se enquadrar nas atribuições do funcionário. O crime é formal que se consuma com o simples oferecimento, ainda que não aceito, ou com a promessa. Pode praticar o crime qualquer pessoa, inclusive o funcionário, que não aja como tal.
O crime de lavagem de dinheiro, à luz do que é disposto no artigo 1º da Lei 9.613/98, é operação financeira ou transação comercial que oculta ou dissimula a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou valores que direta ou indiretamente são resultado ou produto dos seguintes crimes: tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins; terrorismo; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; extorsão mediante sequestro; praticados contra a Administração Pública; cometidos contra o sistema financeiro nacional; praticados por organização criminosa.
Há, pois, na lavagem de dinheiro a prática de operações concatenadas de ocultação, dissimulação e integração, sendo que esta última constitui última etapa da lavagem, com o emprego dos bens, com aparência de legítimos, no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição, dentro de negócios jurídicos que seriam chamados de lícitos. Isso revela as proporções do chamado crime organizado.