Divulgar delação é demagogia, diz procurador

Frederico Vasconcelos

Celso Antônio Três, que atuou no caso Banestado, elogia a Lava Jato mas critica a carta de Rodrigo Janot sobre acordo com a Odebrecht.

 


A entrevista a seguir, de autoria do editor do Blog, foi publicada na versão impressa da Folha nesta sexta-feira (17).

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Para o procurador da República Celso Antônio Três, 54, é demagogia invocar o interesse público para divulgar as delações da Lava Jato.

Segundo ele, a divulgação “derrete o mundo político, o Estado, dilapida a economia, os investimentos e os empregos”. “A lei da delação impõe sigilo até a apresentação da denúncia. Preserva a apuração e a honra do delatado até então indefeso”, afirma, em entrevista por e-mail.

Três atuou no Banestado, a megalavagem de dinheiro desmontada nos anos 1990 no Paraná, que inspirou procuradores da Lava Jato.

Ele faz leitura crítica da carta do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, distribuída na terça (14) aos membros do MPF, balanço do acordo de delação da Odebrecht.

Três foi filiado ao PT nos anos 80. Ao assumir função pública, afastou-se da sigla, da qual foi alvo de representações por investigações que realizou. É autor de documento, distribuído no Senado, com críticas às “10 Medidas Contra a Corrupção” defendidas por Sergio Moro e pela força-tarefa.

Em Novo Hamburgo (RS), diz que a operação “é a maior investigação da história”. “Depois dela, tudo será pequeno.”

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Folha – Qual é a sua leitura da carta do procurador-geral da República?
Celso Antônio Três – É um editorial do chefe da instituição, exaltando menos esta do que a liderança daquele.

Como avalia o acordo de colaboração com a Odebrecht?
Toda delação traz só duas certezas. Delator é criminoso confesso. Este delinquente não será punido, eis que anistiado -ou sob pífias penas- pelo Ministério Público. Condenação do delatado depende da prova de corroboração.

Essas provas foram obtidas?
Apenas o futuro dirá se elas foram ou não obtidas. Até agora, no STF, vencidos dois anos, há apenas seis réus. O ex-procurador-geral Roberto Gurgel disse que expandir a investigação a 77 delatores compromete sua finalização. Alguém acredita que a Odebrecht tenha 77 corruptores? São, na verdade, cumpridores das ordens de Marcelo [Odebrecht].

Na carta, Janot vê a “democracia sob ataque” e aponta dois desafios aos procuradores: “manter a imparcialidade diante dos embates político-partidários” e “velar pela coesão interna”.
O estopim do impeachment foi a divulgação da conversa de Dilma e Lula. Janot avalizou-a. Temer, antes da Presidência -agora está blindado-, já constava em listas e menções de propina. Janot nunca investigou. Onde há imparcialidade?

Há coesão no MPF?
O alvo da carta é o público externo, fazendo transparecer à sociedade que ele encarna o comando do MPF. Há coesão na medida que os divergentes são silenciosos.

Janot agiu para evitar vazamentos de documentos e delações?
A estratégia de investigação diz que quanto menos o alvo souber, melhor. A lei da delação impõe sigilo até a apresentação da denúncia. Preserva a apuração e a honra do delatado até então indefeso. A invocação do interesse público para divulgar é demagógica. Derrete, não apenas o mundo político, mas o Estado, dilapidando a economia, os investimentos e os empregos.

Criticou-se a Lava Jato pela demora em atingir lideranças de outros partidos, além do PT.
Sendo o PT titular do governo, natural ser prioritário. Agora, está claro que todos estão sendo alvos.

A resistência na política poderá frustrar a maior investigação no combate à corrupção?
Resistência é natural. Porém, merece mais destaque a liberdade das instituições, como a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Receita Federal e Controladoria-Geral da União.

O que poderá esvaziar mais a Lava Jato: as manobras do Legislativo ou a morosidade do Judiciário?
A legislação é o poder maior de absolver, de tudo e todos.

Haverá maior agilidade para julgar a Lava Jato nos Estados, na primeira instância?
Sim. A Justiça acordou contra a corrupção. Vemos órgãos do Judiciário, a exemplo do Rio de Janeiro, historicamente lenientes, que agora tomaram coragem e hombridade.

Como o sr. avalia a atuação do juiz Sergio Moro?
Sujeito diferenciado. Senões de grandiosos feitos soçobram despercebidos.

Houve falta de isenção e abuso de autoridade, como alegam os advogados?
A condução injustificada de Lula, sucedida pela divulgação de interceptação clandestina –sem outorga judicial, estopim do impeachment–, maculou a imparcialidade.

A carta de Janot é paralela aos debates sobre o processo sucessório da PGR. É peça para sua recondução?
Quem nomeia procurador-geral para derrubar o próprio governo é o PT. Temer jamais cometeria suicídio. Exemplo é [a nomeação de] Alexandre Moraes ao STF. Janot está fora.

O sr. apoia a recondução de Janot?
Não. Um novo mandato é chavismo.

Janot tem cumprido o que prometeu?
Sim. Garante a livre atuação dos procuradores e zela pelas vantagens corporativas.

Na carta, se define como “democrata congênito e convicto”.
É uma defesa de que ele criminaliza a política, espécie de [Donald] Trump da Justiça.

O procurador-geral deixou-se fotografar mostrando um cartaz com os dizeres “Janot, você é a esperança do Brasil”. Como essa exposição foi vista?
Janot ainda tem grande prestígio. Porém, há o desgaste natural da gestão e exposição, defasagem salarial pelo boicote do Congresso, tudo contribui para o declínio.

O desfecho da carta (“Coragem e confiança!”) soa como slogan de campanha. O sr. acredita que Janot pretende se candidatar a cargo público?
É campanha a procurador-geral da República. Resta saber se algum partido o acolheria.