Execução da pena: recuo de Fux é um avanço

Frederico Vasconcelos

A decisão do ministro Luiz Fux de revogar uma liminar que ele próprio concedera ao juiz Gercino Donizete do Prado, da 7ª Vara Cível de São Bernardo do Campo (SP), reforça o entendimento do Supremo Tribunal Federal que justifica a execução da pena após a condenação em segundo grau de jurisdição, ainda sem o trânsito em julgado.

No início do mês, Fux havia deferido liminar em habeas corpus para sustar a execução imediata de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou o juiz Gercino pelo crime de concussão. Como o processo tramitara originariamente no próprio TJ-SP, o ministro concluiu que a matéria precisaria de análise mais ampla.

Em 2014, Gercino foi condenado a 8 anos e 4 meses de prisão em regime fechado –além da perda do cargo– sob a acusação da prática de extorsão por 177 vezes.

Segundo a denúncia, ele recebeu valores em espécie e bens materiais –em pagamentos semanais.

O juiz foi denunciado por exigir de José Roberto Ferreira Rivello o recebimento de vantagens para não converter em falência o processo de recuperação judicial de sua empresa.

A denúncia narra que o juiz recebeu jóias –relógios Rolex e Bvlgari, uma gargantilha de ouro no dia do aniversário da sua mulher– aparelho celular, notebook, canetas Montblanc e roupas finas.

Segundo o relator, desembargador Xavier de Aquino, do TJ-SP, a vítima afirmou que “o juiz exigira até o pagamento de 13º da propina”.

Em fevereiro último, a Procuradoria Geral da República opinou pelo não conhecimento da ordem impetrada no STF. “Segundo o entendimento adotado pelo Plenário desse Supremo Tribunal Federal, esgotadas as instâncias ordinárias, é legítimo dar início à execução provisória da pena, sem que isso importe em ofensa à presunção de inocência”.

Parecer do subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida sustentou que “o fato de o paciente ter sido condenado em ação penal originária não escapa ao entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal”.

“Pouco importa que o tribunal profira condenação em ação originária, ou confirme a condenação de primeiro grau, ou reforme a sentença absolutória, ou agrave a pena imposta na sentença. Em todos esses casos, o esgotamento da instância ordinária dá ensejo à formação do título para a execução provisória”, afirmou o subprocurador.

Na decisão monocrática, o ministro Fux registrou que “o réu na ação penal de trâmite originário no tribunal local não pode aguardar preso, por tempo indefinido, o juízo de valor que será proferido, restando caracterizado o periculum in mora’”.

Em texto publicado neste Blog, o advogado do juiz, Marco Aurélio Florêncio Filho, considerou de “fundamental importância” a liminar concedida por Fux, pois teria “o condão de modular a jurisprudência recentemente proferida pelas Cortes Superiores do País, ao analisar as circunstâncias fáticas de cada caso concreto antes da indiscriminada aplicação de orientação firmada pelo STF”.

Segundo o defensor do juiz Gercino, Fux, “de forma brilhante e sem negar a jurisprudência firmada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, conseguiu captar as particularidades e nuances do caso concreto, exercendo de forma plena as suas atribuições de julgador, em busca da efetiva concretização da justiça, valor este perseguido por todos os aplicadores do Direito”.

Ao rever sua própria decisão, contudo, Fux registrou que a garantia do foro por prerrogativa de função “não pode se converter em uma dupla garantia” – o julgamento perante tribunal e, concomitantemente, a inviabilidade de execução provisória da pena imposta ao detentor do foro.

“O fundamento das recentes decisões proferidas pelo STF quanto a este tema reside no caráter soberano da decisão do órgão local, à luz dos fatos e provas levados ao seu conhecimento, bem como na inviabilidade do exame de fatos e provas nos mecanismos de impugnação dirigidos aos Tribunais Superiores”, explicou Fux.

Segundo o ministro, “o que legitima a execução provisória da pena é a decisão colegiada do tribunal local que examina, em toda a sua amplitude, a pretensão do órgão acusador, e não a necessidade de confirmação da sentença condenatória por mais de um órgão jurisdicional”.

Como reforço à decisão, Fux transcreveu trecho do voto do ministro Luís Roberto Barroso, ainda pendente de publicação, proferido no julgamento de medida cautelar. (*)

Barroso entende que “não se justifica no cenário atual a leitura mais conservadora e extremada do princípio da presunção de inocência, que impede a execução (ainda que provisória) da pena quando já existe pronunciamento jurisdicional de segundo grau”.

Do voto de Barroso, extraímos as seguintes afirmações:

(…)

A impossibilidade de execução da pena após o julgamento final pelas instâncias ordinárias produziu três consequências muito negativas para o sistema de justiça criminal.

Funcionou como um poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios. Tais impugnações movimentam a máquina do Poder Judiciário, com considerável gasto de tempo e de recursos escassos, sem real proveito para a efetivação da justiça ou para o respeito às garantias processuais penais dos réus.

No mundo real, o percentual de recursos extraordinários providos em favor do réu é irrisório, inferior a 1,5%.

(…)

Reforçou a seletividade do sistema penal. A ampla (e quase irrestrita) possibilidade de recorrer em liberdade aproveita sobretudo aos réus abastados, com condições de contratar os melhores advogados para defendê-los em sucessivos recursos.

(…)

A necessidade de aguardar o trânsito em julgado para iniciar a execução da pena tem conduzido massivamente à prescrição da pretensão punitiva ou ao enorme distanciamento temporal entre a prática do delito e a punição definitiva.

Em ambos os casos, produz-se deletéria sensação de impunidade, o que compromete, ainda, os objetivos da pena, de prevenção especial e geral. Um sistema de justiça desmoralizado não serve ao Judiciário, à sociedade, aos réus e tampouco aos advogados.

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(*) ADC 43: