Vazamento não invalida delação, diz advogado
Sob o título “O vazamento do acordo de delação premiada e o crime previsto no artigo 153, § 1º – A do Código Penal“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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I – DOS FATOS
Noticiou o jornal “O Globo”, em seu site, no dia 22 de março do corrente ano:
“O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acusou nesta terça-feira a Procuradoria-Geral da República (PGR) de fornecer à imprensa de forma indevida informações de processos sigilosos, como as investigações das operações Lava-Jato e Carne Fraca. Segundo ele, a prática deve ser investigada como crime de violação de sigilo funcional. Gilmar ponderou que, como o crime teria sido cometido pelo Ministério Público, talvez não haja investigação. Para o ministro, os vazamentos desmoralizam o STF.
— Quando praticado por funcionário público, vazamento é eufemismo para um crime que os procuradores certamente não desconhecem. A violação do sigilo está no artigo 325 do Código Penal. Mais grave é que a notícia dá conta dessa prática dentro da estrutura da PGR. Isso é constrangedor — disse o ministro.”
II – A DELAÇÃO PREMIADA
O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.
De antemão se dirá que tanto a própria existência do acordo de delação premiada quanto os termos e condições em que foi celebrado interessam somente ao investigado colaborador, ao órgão da Acusação e ao Juízo, como já decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do ACR 0007995-74.2007.4.03.6119/SP, 1ª Turma, 12 de março de 2013. Para tanto, deve ser objeto de homologação judicial, cabendo a autoridade judicial preservar o sigilo.
Desse modo, não haveria que se falar em publicidade do acordo de delação premiada, visto que não se trata, em si mesmo, de meio de prova. O sigilo decorre, sim, de expressa disposição legal contida no artigo 7º, VIII, da Lei 9.807/99, algo que é diretamente relacionado à eficácia e proteção conferida ao beneficiário da delação.
No entanto, consoante prevê o artigo 7º, § 3º, da Lei 9.807/99, o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no artigo 5º.
Realmente, como ainda alertou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no HC 13.589 –SP, a problemática do caráter sigiloso do acordo do investigado colaborador, ou acordo de delação premiada, deve ser analisada sob duplo aspecto: por primeiro, o sigilo da própria existência do acordo e de seus termos; e, em segundo lugar, o sigilo do conteúdo das declarações prestadas.
A delação premiada foi instituída como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se lê do artigo 4º e do artigo 159 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 8.072/90 e 9.269/96, § 2º, do artigo 24, da Lei nº 7.492/86, acrescentado pela Lei nº 9.080/95, parágrafo único, do artigo 16 da Lei nº 8.137/90, acrescentado pela Lei nº 9.080/95; artigo 6º, da Lei nº 9.034/95 e § 5º, do artigo 1º, da Lei nº 9.613/98. Recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.
Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio de Almeida Delmanto (Código penal comentado, 6ª edição, pág. 364), analisando o artigo 159 do Código Penal, em seu parágrafo quarto, apontaram, em observações contidas no artigo “Delação na extorsão mediante sequestro” (RT 667/387), a incoerência da redação do artigo 7º da Lei nº 8.072/90 (Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços), pois se houvesse a prática do crime do art. 159 em concurso material com o artigo 288 (quadrilha ou bando, que exigia mais de três pessoas), o delator seria beneficiado; se, ao contrário, ocorresse apenas a prática do delito do art. 159, com até três agentes, aquele que delatasse os comparsas não faria jus à diminuição de pena. Disseram eles que essa incoerência veio a ser corrigida pela nova redação do § 4º, dada pelo art. 1º da Lei nº 9.269/96, beneficiando o delator ainda que os agentes sejam somente dois ou três. Tal redação mais benéfica deve retroagir.
III – O CRIME CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
Fala-se com relação a vazamentos e se eles invalidam tais acordos.
Penso que esses vazamentos não os invalidam.
Por certo, esses vazamentos irão demandar investigação sobre ele e responsabilidade criminal dos envolvidos, a teor do artigo 29 do Código Penal.
Há crime contra a inviolabilidade dos segredos.
O artigo 2º da Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, passa a incriminar a conduta de divulgação de informações sigilosas ou reservadas, com a redação dada ao artigo 153, § 1º – A: Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública (Acrescentado pela L-009.983-2000).O crime de divulgação de segredo apura-se, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Entretanto, diante do que dispõe o parágrafo segundo, tanto nas hipóteses do caput, como do parágrafo primeiro – A, havendo qualquer prejuízo para a Administração Pública, a ação será pública incondicionada.
O objetivo do tipo penal é resguardar as informações sigilosas ou reservadas contidas em sistema de informações ou banco de dados da Administração pública.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa desde que tenha acesso ou seja detentor da informação sigilosa ou reservada, de divulgação vedada. Sendo o agente funcionário público responde pelo crime previsto no artigo 325 do Código Penal.
O elemento subjetivo é o dolo.
As informações, que são dados acerca de alguma coisa ou a respeito de alguém, devem ser sigilosas ou reservadas porque a lei assim determina.
A homologação do acordo de delação premiada, que foi objeto de vazamento, depende do magistrado que está à frente da instrução criminal e das investigações.
IV – OS PRINCÍPIOS DA VERDADE REAL E DA PROPORCIONALIDADE
Mas não será caso de anulação das delações que foram objeto de vazamento. A uma, por conta do princípio da verdade real e a duas por conta do princípio da proporcionalidade.
Fala-se com relação a vazamentos e se eles invalidam tais acordos.
Penso que esses vazamentos não os invalidam.
Por certo, esses vazamentos irão demandar investigação sobre ele e responsabilidade criminal dos envolvidos, a teor do artigo 29 do Código Penal.
Há crime contra a inviolabilidade dos segredos.
O artigo 2º da Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, passa a incriminar a conduta de divulgação de informações sigilosas ou reservadas, com a redação dada ao artigo 153, § 1º – A: Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública (Acrescentado pela L-009.983-2000).O crime de divulgação de segredo apura-se, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Entretanto, diante do que dispõe o parágrafo segundo, tanto nas hipóteses do caput, como do parágrafo primeiro – A, havendo qualquer prejuízo para a Administração Pública, a ação será pública incondicionada.
A homologação do acordo de delação premiada, que foi objeto de vazamento, depende do magistrado que está à frente da instrução criminal e das investigações.
Há o princípio do sigilo das informações.
Mas não será caso de anulação das delações que foram objeto de vazamento. A uma, por conta do princípio da verdade real: a duas, por conta do princípio da proporcionalidade.
O princípio do sigilo das investigações, previsto no art. 5º, inciso X da CF/88, dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas […]”
O princípio da verdade real informa que no processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos.
No processo penal, o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deve buscar que o ius puniendi seja concretizado com a maior eficácia possível.
Por sua vez, há de se respeitar o princípio da proporcionalidade.
Bem lembrou Yuri Schmitke A. Belchior Tisi(A publicidade das interceptações telefônicas segundo a máxima da proporcionalidade de Robert Alexy, in Ius Navigandi), quando analisou o problema da publicidade das interceptações telefônicas à luz das lições de Robert Alexy:
“ A proporcionalidade em sentido estrito, segundo a premissa de que princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas, requer um sopesamento de princípios, o qual decorre de uma relativização em detrimento das possibilidades jurídicas. Nesse sentido, Robert Alexy faz a seguinte afirmação:
A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas.
As máximas parciais da adequação e necessidade, conforme o conceito de princípio como mandamento de otimização, expressam uma exigência segundo uma máxima realização relativamente às possibilidades fáticas existentes. Todavia, a máxima da adequação não aponta para um ponto máximo, mas em verdade para um critério negativo, pelo qual deve haver a tentativa de eliminar os meios não adequados, sem, contudo, determinar tudo. Semelhantemente ocorre com a máxima da necessidade. Esta exige que, entre dois meios aproximadamente adequados, seja eleito o meio que interfira de modo menos intenso ou gravoso.
Em sua terceira etapa, a proporcionalidade em sentido estrito indica que, entre os dois princípios colidentes, não há razão plausível que justifique a manutenção do sigilo processual das interceptações telefônicas, posto que a sociedade tem o direito de tomar nota de seu conteúdo, no intuito de cientificar-se das condutas praticadas e poder exercer seu legítimo direito de decidir e impugnar as condutas perpetradas.”
O vazamento não irá interferir na máxima da verdade real, que preside o processo penal, mas irá determinar a sanção penal aos envolvidos em tornar pública a delação.