O Rio de Janeiro continua ruindo

Frederico Vasconcelos

O trocadilho do título, deformando  a bela canção de Gilberto Gil,  é exagero retórico, recurso também utilizado pelo advogado Luís Francisco Carvalho Filho no artigo deste sábado (8), na Folha, intitulado “A Síria é aqui“.

Em sua coluna, o criminalista compara a barbárie diária no Brasil, por falta de segurança pública, com a tragédia humanitária da Síria.

Eis dois exemplos citados pelo colunista da intolerável naturalidade com que as autoridades cariocas reagem a atrocidades:

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1. Policiais mataram dois homens caídos [suspeitos abatidos covardemente depois de dominados]?

O comandante-geral da PM declara-se “chocado” com a cena brutal, mas lembra que o episódio é “humanamente compreensível” diante do “estresse que esses policiais vivem”.

2. Uma adolescente [vítima de bala perdida no interior da escola] foi atingida?

O prefeito sugere que as escolas sejam blindadas com paredões de argamassa importada e resistente a disparos de fuzil. Assim, a guerra seguiria o seu curso com redução de “efeitos colaterais” e a medida aqueceria a frutífera relação entre poder público e fornecedores, com contratos sem licitação e justificados pela óbvia situação de emergência.

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Sobre o caos carioca, eis o que disse o ministro Gilmar Mendes em conferência em Cambridge, nos Estados Unidos, segundo relato de Henrique Gomes Batista no jornal “O Globo“:

“Acho que nem precisa descrever: milícias, tráfico de drogas e agora tudo isso que está acontecendo, envolvendo todos os poderes: Legislativo, Executivo, Tribunal de Contas, tudo mais. Se não houver interrupção neste processo, o Brasil será amanhã o grande Rio de Janeiro”.

Eis uma vantagem do funcionamento das instituições: na ditadura militar, aqueles que se arriscavam a descrever –em conferências no exterior– as atrocidades que ocorriam nas ruas e nos porões eram acusados de denigrir a imagem do país lá fora.