O outono do patriarca

Frederico Vasconcelos


Em depoimento ao Ministério Público, Emílio Odebrecht, patriarca da mais notória empreiteira do país, afirmou estar surpreso e incomodado com o fato de só agora as antigas práticas de corrupção causarem espanto, em particular da imprensa.

“O que nós temos não é de cinco, de dez anos. É de trinta anos. Esse sistema era um negócio institucionalizado, normal. O que me surpreende – e quero enfatizar – é quando vejo todos esses poderes, a imprensa, tudo, como se isso fosse surpresa. Me incomoda isso“, afirmou o empresário.

Emílio Odebrecht sempre esteve na mídia, como entrevistado ou autor de artigos.

Vejamos alguns exemplos de como contribuiu para que as práticas do submundo da política não viessem à tona.

Em novembro de 2009, em artigo sob o título “A cultura da desconfiança“, publicado na Folha, Emílio Odebrecht afirmou:

Os jornais das últimas semanas reservaram espaços generosos para um debate tenso e acalorado sobre o papel de organismos de controle e fiscalização criados na administração pública brasileira.

Não pretendo participar focando no que está posto –que são as atribuições das instituições concebidas para auxiliar os gestores governamentais–, porque isso é apenas um efeito. Prefiro olhar para a causa –e a causa é um fenômeno chamado cultura da desconfiança.

As relações entre empresas, entre estas e o poder público e a sociedade deveriam ser pautadas pelo princípio da confiança.

(…)

Ocorre que a desconfiança a priori não favorece o diálogo. Precisamos inverter essa situação. O mundo está cheio de exemplos do bom uso do oposto –o da confiança”.

(…)

O Brasil está pagando um preço muito elevado por ter permitido que esse clima de eterna suspeita contaminasse a vida do país. Caminhar no rumo da construção de uma sociedade de confiança trará bons resultados para todos nós“.

No mesmo ano, ao tratar da atuação da Odebrecht em Angola, em artigo sob o título “O papel social das empresas“, quase profetizou:

“Os problemas sociais e ambientais em diversas partes do mundo são, hoje, tão grandes que as empresas ajudam a resolvê-los ou perecerão com a sociedade. Lembremos que, atualmente, o consumidor sabe bem quais companhias são solidárias e quais não são –e aprendeu a optar pelas primeiras”.

A distância entre o que o comandante pregava e as práticas expostas nas delações de seus subordinados explicaria o descrédito com que foi recebido o anúncio de duas páginas que a Odebrecht foi obrigada a publicar nos jornais em dezembro, sob o título “Desculpe, a Odebrecht errou“:

“Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética. Não admitiremos que isso se repita“, afirmou a empresa naquela peça de marketing do arrependimento.