Gilmar Mendes nega impedimento para suspender a prisão de Eike Batista

Frederico Vasconcelos

Em resposta enviada a Cármen Lúcia, presidente do STF, relator rejeita arguição oferecida pelo procurador-geral, Rodrigo Janot.

“Ninguém se livra de pedrada de doido nem de coice de burro.”

Com esse provérbio português, o ministro Gilmar Mendes abriu a resposta enviada à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, ao rejeitar arguição de impedimento oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que o recusou como relator do habeas corpus impetrado por Eike Batista.

Liminar concedida por Gilmar, em abril, suspendeu a prisão preventiva do empresário, determinando que a prisão fosse substituída por algumas das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal.

Rodrigo Janot alegou que Eike é cliente do escritório de advocacia Sérgio Bermudes Advogados, em que atua Guiomar Mendes, mulher do ministro relator.

A seguir, alguns trechos das alegações do ministro, a partir de íntegra publicada no site “Migalhas“:

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“Os ministros não escolhem suas causas. É o aleatório, o andar do bêbado, representado pela distribuição processual, que define os relatores dos processos nesta Suprema Corte” [citando a obra de Leonard Mlodvinow, “O Andar do Bêbado: Como o acaso determina nossas vidas“].

“Foi o acaso –-e não minha vontade-– que trouxe o habeas corpus em questão à minha relatoria”, afirma Gilmar Mendes. Ele alega que o ministro Luiz Fux deu-se por impedido no habeas corpus cujo paciente é Flávio Godinho. “Por uma interpretação da presidência, os demais habeas corpus referentes à mesma operação foram a mim distribuídos”, afirmou.

“É excepcional a recusa de magistrados. O trabalho do juiz é julgar. Aceitar que as partes usem a recusa como meio para manchar a reputação do julgador é diminuir não só a pessoa do juiz, mas a imagem do Supremo Tribunal Federal e o ofício judicante como um todo”, alegou.

Gilmar Mendes sustentou que as hipóteses de recusa de magistrado previstas no Código de Processo Civil não se aplicam aos processos penais.

“Ao ser intimado da decisão favorável ao Ministério Público, o procurador-geral da República não recusou o signatário. Apenas depois de uma nova decisão, contrária à acusação, resolveu agir e, ainda assim, a destempo”.

“Trata-se da velha estratégia, tantas vezes combatida pelo Ministério Público, de recusar juízes que decidem desfavoravelmente à parte”, afirmou.

“Escritórios de advocacia não são compartimentos estanques. Sociedades de advogados são formadas, desmembradas e dissolvidas. Advogados empregados são contratados e demitidos. Tudo sem grande alarde ou publicidade. Por tudo, para observar a regra de impedimento, não basta verificar o nome do advogado constante da atuação.”

“É indispensável verificar as peças do processo, checando o papel timbrado no qual veiculadas as petições. (…) “Grande parte da força de trabalho de meu gabinete está envolvida na verificação de impedimentos, deixando de auxiliar no julgamento das causas.”

Gilmar Mendes lembrou que “dois dias após o protocolo da presente arguição, o ministro Marco Aurélio encontrou uma saída criativa para o problema. Enviou ofício à presidência deste Tribunal, postulando a anotação do impedimento em relação a quatro de seus parentes com atuação na área jurídica. Com isso, tentou transferir de seu gabinete para a presidência o ônus de verificar as causas de impedimento e de suspeição”.

“Pela regra, o juiz não pode atuar em causas envolvendo clientes de escritório de parente seu, ainda que, na causa em julgamento, outro escritório o defenda. Para saber se a parte é cliente do escritório do parente, o julgador teria que realizar uma due diligence, indagando ao escritório de seu parente sobre a existência do impedimento.”

“Considerados os mais de 17.000 julgamentos em que um ministro da Corte atua em um ano, o custo administrativo de fazer essa pesquisa, antes de cada um, seria incalculável. Estaria o escritório do parente do juiz obrigado a arcar com as despesas do trâmite sem esperar remuneração?”

“Mesmo que o juiz indagasse ao parente sobre relações de seu escritório com a parte, haveria o dever de o advogado responder? Muitos contratos advocatícios são privados, ou mesmo, secretos. A atividade do advogado não se resume a postular em Juízo.”

“O fato é que a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório do parente.”

“Logo em seguida à presente arguição, foi amplamente noticiado que a filha do procurador-geral da República é advogada de empresas implicadas na Lava Jato.”

“A ação do Dr. Janot é um tiro que sai pela culatra. Animado em atacar, não olhou para a própria retaguarda. As verdadeiras vítimas de sua imprudência foram as altas instituições do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria-Geral da República”.

Gilmar Mendes sustenta que, de acordo com nota do advogado Sérgio Bermudes, sua mulher “não é credora do paciente” [Eike].

“Se o argumento do crédito fosse levado à última instância, talvez a atuação do procurador-geral da República pudesse ser desafiada, visto que sua filha pode ser credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava Jato.”

“Com toda a razão, o próprio procurador-geral da República defendeu, em nota à imprensa, que a hipótese do art. 144, VIII, do CPC, se aplicável à pessoa jurídica, não contamina a atuação em relação a processos de seus sócios”.

“Argumento de esperto e não de expert“, concluiu.

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