Renan Calheiros sabatina Raquel Dodge

Frederico Vasconcelos

Semanas antes da sabatina da subprocuradora-geral da República Raquel Dodge,  os bastidores de Brasília alimentaram a suposição de que a sucessora de Rodrigo Janot era “vinculada” a caciques do PMDB, entre os quais o senador Renan Calheiros, de Alagoas.

Para quem acreditou ou duvidou dessa especulação, o Blog transcreve, abaixo, trechos dos questionamentos de Renan durante a sabatina, realizada nesta quarta-feira (12), e as respostas de Raquel Dodge.

O senador alagoano se apresentou como alguém que ficou “na linha de tiro” por ter sido presidente do Senado. Diz que foi escolhido “como multi-investigado talvez pelo que (…) representava, sem provas, sem nada!”

Calheiros criticou excessos do Ministério Público Federal, vazamentos e quebras de sigilo.

“Nós tivemos busca e apreensão na residência de advogado que levou dentre outras coisas a estratégia de defesa”, disse. “Nós tivemos sigilo quebrado seis meses depois de ter entregue oficialmente os sigilos quebrados, para produzir fatos, fatos para levar os assuntos ao noticiário”, queixou-se.

“Eu sempre defendi a delação premiada, quando não se ousava falar isso no Brasil”, disse Calheiros.

“Eu sempre defendi a Operação Lava Jato”, mas “não quero concordar com os excessos.”

Raquel Dodge disse que acolhia todas as observações de Calheiros “com o coração aberto e com humildade”.

“Erros e acertos sempre ocorrem”. “Procurarei preservar a instituição de erros e fortalecer os acertos, que têm sido muitos, Senador”, prometeu.

A escolhida pelo presidente Michel Temer defendeu os antecessores e os membros do Ministério Público Federal.

“Eu tenho que louvar o esforço institucional de cada procurador-geral da República no exercício dessa atribuição. Não é fácil. É uma atribuição isolada, tanto a do procurador-geral como a de cada um dos membros dessa instituição.”

“Eu asseguro a V. Exª que é uma instituição de pessoas vocacionadas”, disse Raquel Dodge.

Renan Calheiros manifestou a expectativa de que a relação entre o Ministério Público e o Senado seja pautada “pelo critério e pelo sentimento da própria harmonia”, para que “possamos pacificar as coisas no nosso País”.

Calheiros foi o autor de projeto de lei que altera a Lei de Abuso de Autoridade. A proposta mobilizou juízes federais em manifestação em Curitiba, no ano passado, levando o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Roberto Veloso, a afirmar que a proposta “tem a intenção explícita de garantir a impunidade daqueles que, até este momento, cometiam crimes e não respondiam perante a Justiça”.

Na sabatina, Calheiros afirmou que “o Senado Federal é hoje a instituição pública mais transparente do Brasil”.

Em dezembro último, Rodrigo Janot divulgou nota contestando a versão de Calheiros, de que seria “vítima” de “perseguição” atribuída aos procuradores da República Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Vladimir Aras e Wellington Cabral Saraiva.

Em votações secretas, o plenário do Senado Federal não aprovou os três nomes para composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Janot sustentou que os procuradores citados não participam do grupo de trabalho da Lava Jato e nunca atuaram em qualquer investigação criminal contra Calheiros.

Como este Blog afirmou quando ele desobedeceu a uma decisão judicial, o senador “saiu do lamentável episódio com a imagem de cabra-macho, cabra da peste alagoano que desafiou o Supremo Tribunal Federal… e ganhou a parada”.

Renan Calheiros talvez seja o parlamentar mais qualificado para representar os anseios dos políticos suspeitos que temem a continuidade e os desdobramentos da Operação Lava Jato –que ele diz defender, porque “vai possibilitar um avanço civilizatório”.

A seguir, trechos de transcrições taquigráficas da sabatina.

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RENAN CALHEIROS:

O Senado tem um histórico de grandes sabatinas, mas o nosso histórico de sabatinas indiscutíveis e qualitativamente históricas é pequeno.

Quero, antes de qualquer coisa, cumprimentar a procuradora pela maneira como diretamente responde às perguntas.

E quero dizer que a expectativa desta Casa, ainda durante o processo eleitoral no Ministério Público Federal, é de que possamos qualificar, em meio a essa crise que vivemos na separação dos Poderes, a relação entre eles e de que possamos, quem sabe, priorizar essa relação pelo critério e pelo sentimento da própria harmonia.

Eu já tive a satisfação de ser algumas vezes –-quatro vezes–- presidente do Senado Federal. E, como presidente do Senado Federal, não tem jeito, como representante do Poder, nós ficamos na linha de tiro, mas mesmo assim à disposição dos avanços institucionais.

Com relação ao Ministério Público, eu carrego comigo alguns orgulhos. Fui constituinte, ajudei a tirar o Ministério Público do papel.

Eu sempre defendi a Operação Lava Jato, como de resto sempre defendi todas as operações e, especialmente, acho que a Operação Lava Jato vai possibilitar ao Brasil um avanço civilizatório.

É evidente que ao dizer isso eu não quero concordar com os excessos da Operação Lava Jato, e não vou concordar, nem com os excessos de qualquer outra operação.

Eu acho que o papel do Ministério Público, especialmente da Procuradora-Geral da República e desta Casa do Congresso Nacional é construir caminhos que unam essas instituições todas e esses Poderes todos no sentido de que possamos pacificar as coisas no nosso País, mas algumas questões merecem, Exmª Procuradora-Geral, ser colocadas para que, a partir desses exemplos tristes, alguns macabros, nós possamos ter um ponto de vista não para frente, nem para trás, mas que signifique sobre qualquer aspecto o equilíbrio Constitucional.

Certa vez, eu me candidatei à Presidência do Senado Federal, depois de um episódio que tumultuou durante 200 dias a vida do País. Eis que, para minha surpresa – eis que, para minha surpresa –, na véspera da eleição, uma investigação que estava há oito anos na Procuradoria-Geral da República de um fato pessoal, de um excesso, mas de um excesso pessoal, que não tinha, e hoje o País sabe com detalhe, dinheiro público, esse assunto, na véspera da eleição, pinçado de uma tramitação, não se sabe por quê, de oito anos, recebeu uma denúncia.

Mais do que isso, com o Procurador-Geral da República de então falando no próprio Jornal Nacional, comunicando o fato que tramitava em sigilo, quando o Senado, no dia seguinte, teria uma eleição, em que eu disputava a eleição com quem? Circunstancialmente, coincidentemente, com um Procurador da República, que, investido no papel de Senador, disputava comigo quem de nós seria o Presidente do Senado Federal.

Eu acho que isso significa extrapolar do ponto de vista político. É evidente que os conflitos são legítimos, mas, na medida em que se usa uma instituição que avançou, que conseguiu produzir expressões, como a expressão que a senhora representa tem que ter muito cuidado, muito cuidado para não ser utilizada nessas circunstâncias, nessas condições.

Outra vez, numa gravação de um ex-Senador, eu defendi que construíssemos uma saída institucional para o Brasil. Isso foi objeto de um pedido de prisão, de um pedido de prisão, e depois, pelo mesmo fato, de pedido de afastamento da presidência do Senado Federal a dez dias do término do mandato que eu exercia.

Outra vez, nós defendíamos a necessidade de votar a atualização do projeto de abuso de autoridade, que não vale para o Ministério Público apenas, que não vale para o juizado, mas para qualquer autoridade que abusa. Isso foi entendido pelo Ministério Público, pior do que entendido, foi utilizado pelo Ministério Público para inibir os movimentos do Legislativo com relação à aprovação dessa legislação.

E novamente, Exmª Procuradora, o Ministério Público tomou iniciativas no sentido de inibir.

Nós tivemos sigilo quebrado seis meses depois de ter entregue oficialmente os sigilos quebrados para produzir fatos, fatos para levar os assuntos ao noticiário.

Mais do que isso … Nós tivemos busca e apreensão na residência de advogado que levou dentre outras coisas a estratégia de defesa, a estratégia de defesa. Levou e continua com o Ministério Público.

Eu não acredito que o Estado de direito, seja qual for, mesmo esse que nós vivemos, possa comportar esse tipo de coisa, muito mais com aquelas pessoas que se dedicaram, ao longo de suas vidas, a dotar o Ministério Público daquilo que o Ministério Público precisa para cumprir o seu papel.

Quando fui Ministro da Justiça – nessa oportunidade nós tínhamos a honra de contar no Ministério com a presença do Senador Anastasia –, eu sempre defendi a delação premiada, quando não se ousava falar isso no Brasil. Por quê? Porque é, sim, a delação premiada, com provas, um caminho quase único para se impedir o desvio do dinheiro público.

Nós sabemos que o Brasil – e eu já estou encerrando – vive um momento dificílimo do ponto de vista da sua representação política. E esse modelo político eleitoral de financiamento produziu criminosos e monstros.

Nós vivemos quase uma corrupção generalizada, sistêmica. Mas mesmo assim nós não podemos generalizar, não dá para generalizar: porque o modelo é apodrecido, todos que participaram desse modelo cometeram os mesmos tipos de crime.

Muito mais! Como pode o Ministério Público querer, em algumas circunstâncias, dizer o que é crime e o que não é, no financiamento eleitoral?

O que é propina, o que é crime, em narrativas, presidente Anastasia [que, no momento, estava na mesa presidindo a sabatina], como a que nós vimos ontem arquivada?

Eu respondia a um procedimento criminal, juntamente com o ex-presidente Lula e com o presidente Lobão, porque na narrativa do senador Delcídio, ele disse que nós tínhamos feito um encontro, com a presença dele, para criarmos um comitê de crise, ou seja, para interferirmos na investigação da Operação Lava Jato.

Isso foi suficiente para que esse procedimento tramitasse durante três anos no noticiário, escolhendo o presidente do Senado como multi-investigado talvez pelo que ele representava, sem provas, sem nada! Eu estou sendo investigado por: interpretei, ouvi dizer; citado por delatores que não me conhecem, nunca estiveram comigo, porque eu já exerci três mandatos, já disputei várias eleições, mas não compactuei –-Sr. Presidente, já vou encerrar, perdoe-me – com essas práticas que hoje – concordo com V. Exª – não podem continuar.

Meus parabéns pela sua firmeza com relação ao combate à corrupção. O Brasil, mais do que nunca, precisa disso. O Ministério Público, no nosso modelo constitucional, é insubstituível, insubstituível, insubstituível!

Mas não há como não diferenciar, sim, aqueles que são culpados e portanto merecem ser responsabilizados, daqueles, Sr. presidente, que por participarem do processo, acabam pagando uma responsabilidade igual, sem que isso verdadeiramente tenha como acontecer.

Nós fizemos, aqui no Senado Federal, o que podia ser feito do ponto de vista da transparência. O Senado Federal é hoje a instituição pública mais transparente do Brasil.

Isso – estou encerrando – me dá um orgulho muito grande. E nós não temos pedra no caminho da nossa relação com o Ministério Público.

E, do ponto de vista das investigações criminais, a coisa, além desses excessos, o que mais me preocupa é esse poder do Ministério Público de fazer anistia.

A Constituição é clara: só quem pode fazer anistia no Brasil é o Poder Legislativo.

Mas, na medida em que, numa investigação seja lá onde for, o Ministério Público cobra uma multa do Joesley ou de Eduardo Cunha ou de quem for e diz que o que resta do seu patrimônio é legal, ele, portanto, está sendo anistiado, usurpando dessa forma uma prerrogativa que é do Congresso Nacional.

Parabéns. O Brasil está muito feliz com a indicação de V. Exª e tem certeza de que V. Exª será aprovada de maneira como ninguém nunca foi aprovada nesta sabatina da CCJ e no plenário do Senado Federal.

*
RAQUEL DODGE:

O senador Renan Calheiros faz importantes observações sobre o compromisso do Congresso Nacional em fortalecer o Ministério Público ao longo de toda a sua história – da história do Congresso Nacional e do mandato de V. Exª também.

E também aponta que o Ministério Público tem encontrado aqui nesta Casa ambiente para as reformas normativas necessárias e encontrou também a aprovação de instrumentos de trabalho que têm hoje permitido que o Ministério Público seja uma instituição mais conhecida, que tenha uma atuação mais incisiva.

E eu gostaria de reiterar o que falei na minha apresentação inicial, que era exatamente uma apresentação de reconhecimento ao que a Assembleia Nacional Constituinte fez e ao que o Congresso Nacional tem feito desde 1988 no rumo do fortalecimento do Ministério Público.

E esse diálogo que todos os Senadores têm apontado como necessário e importante, eu reitero também, porque sem esse diálogo nós não teremos exatamente a interlocução, que é a ponte para o aperfeiçoamento.

Erros e acertos sempre ocorrem no caminho do exercício das funções públicas, as nossas, as de todo mundo. E é nessa reflexão sobre o que tem acontecido que eu acho que a gente avança.

Eu acolho todas as observações que V. Exª faz, com o coração aberto e com humildade, e refletirei sobre elas no sentido de que, se a missão me for entregue, eu procurarei preservar a instituição de erros e fortalecer os acertos, que têm sido muitos, Senador.

Eu apontei aqui, logo no início da minha atuação, que eu me apresento apenas como uma dentre as centenas de membros de Ministério Público no Brasil.

Eu tenho que louvar o esforço institucional de cada Procurador-Geral da República no exercício dessa atribuição. Não é fácil. É uma atribuição isolada, tanto a do Procurador-Geral como a de cada um dos membros dessa instituição.

Mas eu asseguro a V. Exª que é uma instituição de pessoas vocacionadas, que querem acertar e que têm compromisso com a causa dos direitos humanos, com a função criminal, com a função eleitoral, e certamente darão e têm dado o melhor de si para que essa missão constitucional seja bem exercida.