Na tribuna, advogado acusa juiz de pedir propina

Frederico Vasconcelos

O advogado Felisberto Odilon Córdova, de 78 anos, acusou o desembargador Eduardo Gallo, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de ter lhe pedido R$ 500 mil para julgar favoravelmente aos seus interesses num processo.

A acusação foi feita da tribuna, em audiência realizada nesta quinta-feira (3) na 1ª Câmara Cível do TJ-SC.

O episódio gerou manifestações públicas de entidades da magistratura e da advocacia.

“Esse julgamento que está acontecendo aqui é comprado. Eu estou fazendo uma denúncia”, afirmou o advogado, dirigindo-se ao presidente da Câmara Cível, sugerindo que a promotoria deveria assumir a investigação.

“Isso aqui não é o Senado, isso aqui não é a Câmara de Deputados. Isso aqui é um tribunal de Justiça”, afirmou Córdova.

Retirado da sessão por outros advogados, ele chamou o magistrado de “descarado”, “safado”, “vagabundo”.

O desembargador requereu, durante a sessão, a prisão do advogado –o que não ocorreu. “Nunca passei por isso na minha vida, em 25 anos de magistratura”, afirmou Gallo.

Segundo o site “Consultor Jurídico“, o desembargador divulgou nota, afirmando que já protocolou representação criminal contra Felisberto Córdova, por considerar que as afirmações caracterizam crime contra a honra e ameaça. Segundo Gallo, o advogado ficou exaltado depois que a câmara rejeitou pedido de sustentação oral.

O magistrado disse que abriu mão de seus sigilos fiscal, financeiro, de dados e telefônico para demonstrar sua versão e solicitou audiência com o corregedor nacional da Justiça, ministro João Otávio Noronha, para “o completo e transparente esclarecimento dos fatos”.

O TJ-SC instaurou investigação preliminar. Em nota, o tribunal “lamenta profundamente o inusitado episódio” e “reitera seu compromisso com a estrita observância da ordem jurídica e com os postulados éticos inerentes à atuação dos operadores do Direito”.

Em nota pública, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lamentou o comportamento do advogado, “que desconsiderou completamente os caminhos legais para formulação de denúncias”.

A entidade “acompanhará de perto o desenrolar das investigações e cobrará a apresentação de provas sobre os fatos alegados”, afirmou Jayme de Oliveira, presidente da AMB.

Também em nota pública, a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) expressou “preocupação com as graves acusações desferidas pelo advogado, além de “lamentar e repudiar a forma utilizada para se arguir a suspeição dos integrantes do Órgão Fracionário, seguida de ataques endereçados à pessoa do Relator”.

“A magistratura catarinense reafirma o seu compromisso de zelar pela estrita observância da ordem jurídica”, afirma Odson Cardoso Filho, presidente da AMC.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC), Paulo Brincas, disse, em entrevista coletiva, que “os advogados têm a prerrogativa profissional de ocupar a tribuna para fazer denúncias e que a instituição tem o dever de garantir esta prerrogativa”.

“A tribuna é solo sagrado da advocacia e ali o advogado tem a prerrogativa, e eu diria até a obrigação, de fazer qualquer denúncia, quando entender que há um ato ilícito. Estou convicto que ele apresentará as provas e os fatos serão investigados pelos órgãos competentes. A OAB/SC vai apoiá-lo e acompanhar os desdobramentos das denúncias”, afirmou Brincas.

A seguir, a íntegra das notas da AMB e da AMC e a notícia divulgada pela OAB/SC.

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Nota pública da AMB

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidade que reúne mais de 14 mil juízes em todo o Brasil, diante dos fatos ocorridos durante julgamento na 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, com graves acusações contra o Desembargador Eduardo Mattos Gallo Júnior, vem a público para lamentar a postura do advogado, que desconsiderou completamente os caminhos legais para formulação de denúncias.

A imunidade processual do advogado não é absoluta, mas restrita ao exercício regular da atuação profissional e eventuais excessos e abusos são puníveis na forma da lei.

A AMB acompanhará de perto o desenrolar das investigações e cobrará a apresentação de provas sobre os fatos alegados. Além disso, não aceitará, de maneira alguma, a imputação vazia, bem como buscará a responsabilização e a recomposição do patrimônio moral do magistrado na hipótese de improcedência da acusação.

A AMB ratifica a nota da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) e coloca-se à disposição para acompanhar a apuração dos fatos com o necessário respeito às prerrogativas da magistratura.

Brasília, 4 de agosto de 2017.

Jayme de Oliveira
Presidente da AMB

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Nota pública da AMC

A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS CATARINENSES – AMC, diante dos fatos ocorridos no julgamento do recurso de Agravo de Instrumento n. 0144304-30.2015.8.24.0000, da relatoria do Desembargador Eduardo Mattos Gallo Júnior perante a 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na data de 3 de agosto do corrente ano, vem expressar preocupação com as graves acusações desferidas pelo advogado presente à tribuna, bem como lamentar e repudiar a forma utilizada para se arguir a suspeição dos integrantes do Órgão Fracionário, seguida de ataques endereçados à pessoa do Relator.

Por primeiro, enfatiza-se que a narrativa efetuada pelo profissional da advocacia deve ser alvo de ampla investigação nas esferas competentes, visando apuração da referida prática de oferta ou pedido de vantagem por qualquer dos atores que se colocam na causa, sejam partes, advogados e/ou julgadores, culminando, então, com as devidas consequências nos campos penal, civil e disciplinar.

Se com veemência foi apresentada a imputação, elementos de prova devem ser trazidos para elucidação do ocorrido, isso mediante interpelação prévia ou em processos a serem deflagrados e instruídos, assegurados a ampla defesa e o contraditório.

Em outro aspecto, inaceitável que em meio a ato solene, mesmo que no calor das emoções de quem também é parte, venha o advogado a fazer uso de expressões depreciativas aos julgadores da Corte de Justiça, com ofensas verbais e ameaças à integridade física. Aqui o comportamento exige respeito, serenidade e equilíbrio, sobretudo diante da existência de mecanismos jurídicos adequados à postulação e à defesa de direitos, inclusive para sustentar a tese de eventual ocorrência de suspeição. O agir em juízo impõe urbanidade, sob pena de quebra de princípio ético que norteia o convívio e o exercício das profissões, sendo de todo condenável a adoção de expedientes sensacionalistas.

Ao fim, a Magistratura catarinense reafirma o seu compromisso de zelar pela estrita observância da ordem jurídica, em conduzir probo e reto, colocando-se, por sua Entidade de Classe, igualmente na busca dos necessários esclarecimentos a esse episódio e na defesa das garantias e prerrogativas asseguradas pela Constituição e pela Lei aos seus associados.

Florianópolis, 4 de agosto de 2017.

ODSON CARDOSO FILHO
Presidente da AMC

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Informativo da OAB/SC

Em entrevista coletiva à imprensa nesta sexta-feira (4) de manhã, o presidente da OAB/SC, Paulo Brincas, disse que os advogados têm a prerrogativa profissional de ocupar a tribuna para fazer denúncias e que a instituição tem o dever de garantir esta prerrogativa. As declarações ocorreram um dia após o advogado Felisberto Córdova ter denunciado o desembargador Eduardo Gallo, durante sessão da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de ter recebido propina num processo.

“A tribuna é solo sagrado da advocacia e ali o advogado tem a prerrogativa, e eu diria até a obrigação, de fazer qualquer denúncia, quando entender que há um ato ilícito. Estou convicto que ele apresentará as provas e os fatos serão investigados pelos órgãos competentes. A OAB/SC vai apoiá-lo e acompanhar os desdobramentos das denúncias”.

Brincas fez questão de destacar que as acusações foram dirigidas a um desembargador e não ao Judiciário, e que nenhuma instituição está livre de ser investigada por denúncias contra um de seus membros. “Nenhum de nós está acima da lei. Uma denúncia séria como esta precisa ser apurada e acredito que o Ministério Público cumprirá seu papel”.

A OAB/SC criou uma comissão integrada por conselheiros, presidentes de subseção e pela comissão de prerrogativas para atuar no caso. O presidente Claudio Lamachia, que está no exterior, também foi informado sobre o episódio e telefonou colocando o Conselho Federal da OAB à disposição da Seccional.

Assessoria de Comunicação da OAB/SC