“Basta de impunidade”, diz Roberto Romano

Frederico Vasconcelos

Professor de Ética e Filosofia Política vê campanha para desmontar as carreiras da magistratura e do Ministério Público.

***

Sob o título “A vingança contra a justiça“, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp.

***

Nenhum cidadão, que contribui com pesados impostos para manter o Estado brasileiro, concorda com pagamentos abusivos, incluindo os que se destinam aos magistrados ou membros do Ministério Público. A maioria esmagadora das pessoas que integram aquelas carreiras trabalha arduamente em prol de um país mais justo e menos corrupto sem viver, como os nossos governantes, em palácios mantidos pelo erário oficial.

Com a operação Lava Jato e outras iniciativas dignas de respeito, Ministério Público e magistratura escrevem uma nova e digna página da nossa história, com a prevalência da ética e dos princípios republicanos.

A exibição repetida dos casos individuais, como o dos juízes de Mato Grosso e algumas reiterações midiáticas trazem à memória determinada cena em que o PCC colocou fogo em um único ônibus e a TV mostrou ao vivo, repetindo o fato o dia inteiro, levando muitas pessoas a pensar que ônibus e terror estavam espalhados por toda a cidade de São Paulo.

A propaganda pode facilmente induzir as pessoas a pensar que as exceções são a regra. Mas aquele comportamento não se restringe a uma parte importante da mídia. Também entra na mesma campanha o Sr. Gilmar Mendes, ministro no Supremo Tribunal Federal, que tem feito articulações e pedido votos a políticos e tem-se envolvido em atividades impróprias para magistrados, como dar declarações à imprensa acerca do mérito de casos que irá julgar, sem falar das decisões favoráveis a poderosos, como o sócio do seu cunhado, envolvido na Operação Lava Jato.

O ministro, sobretudo nos últimos tempos, dedica-se a demonizar o Ministério Público e a magistratura, especialmente os extratos das carreiras dedicadas à luta contra a corrupção. O procurador-geral da República foi por ele ofendido porque apenas cumpriu seu dever, logo após vir à tona a delação de Silval Barbosa, ex-governador de Mato Grosso, onde nasceu.

O mesmo Senhor Gilmar Mendes ajudou poderosamente a absolver Michel Temer por “excesso de provas” em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, após o voto rigoroso e técnico do relator Herman Benjamin.

A verdade por trás do ataque, urdido em palácios contra a magistratura e o Ministério Público, é que se pretende minar o sistema remuneratório de ambas as carreiras como estratégia para enfraquecer o controle da corrupção.

Se a meta fosse corrigir o que está errado, o embate deveria ter como alvo os casos específicos e individuais de pagamentos indevidos, e não, as carreiras como um todo. E seriam revistos os programas de anistia fiscal, que custarão 78 bilhões à União, ou mesmo divulgadas, em nome do princípio constitucional da publicidade, palestras pagas aos ministros do STF, quanto eles recebem, quem são os contratantes.

O Planalto quer aprovar o Projeto de Lei 6726/16, –inconstitucional por vício de iniciativa– articulado pelo senador Renan Calheiros e outros. O governo proclama querer com isto minimizar o déficit público. Este ponto é apenas o pretexto, bem ideado aliás, porque parte relevante da mídia aprecia criticar o que se paga no Brasil a juízes e membros do MP. Tal como um mantra, entoa-se uma inverdade, repetida à exaustão até se transformar em certeza.

Se o governo estivesse interessado em mudar o quadro do déficit, cortaria imediatamente cargos de confiança da presidência –como prometeu quando assumiu após o impeachment– em número quase 10 vezes superior aos da Casa Branca.

O governo deveria dar exemplo e abrir mão de privilégios como o cartão corporativo ilimitado, palácio com banquetes, carro oficial, plano de saúde vitalício ou uso de aviões da FAB. O prefeito de Londres é visto voltando para casa de metrô após trabalhar. No Brasil, basta exercer a função de senador por seis meses para ter direito a plano de saúde vitalício financiado pelos tributos, para si e para a esposa. O governo vive um eterno Baile da Ilha Fiscal, mas a tomada da Bastilha pode estar próxima.

Se a finalidade fosse mudar tal quadro, haveria imediato corte no número de 25 assessores permitido a um deputado federal e de 75 a um senador. O gabinete de um deputado chega a medir cerca de 20 metros quadrados, onde podem ser acomodados 3, 4 ou no máximo 5 assessores. Os demais operam no estado de origem do parlamentar para eternizá-lo no poder, já que não há limite de mandatos seguidos.

Assim ocorre o uso da máquina, com deslealdade em relação aos que disputam as eleições sem ter os mesmos privilégios. Dezenas de milhares de cargos de confiança poderiam ser extintos. Mais o corte do perdão dos 78 bilhões e a eliminação dos casos indevidos na magistratura e MP e o quadro seria outro.

As remunerações de um magistrado ou membro do MP podem e devem ser discutidas com franqueza, transparência e abertura republicanas. Mas é descabido almejar que enfrentem os detentores do poder sem justa remuneração, estando sujeitos a intimidações e pressões, como a salarial por exemplo.

Trata-se, nos dias atuais, de inequívoca vingança, orquestrada visando o desmonte destas carreiras, o que levaria a um desastre à democracia, ao descontrole da corrupção e ao fim do próprio Estado de Direito.

Ao mesmo tempo em que a campanha sobre os salários dos juízes e promotores corre solta, sem ouvir o contraditório, fala-se em aprovar quase 4 bilhões para o fundo partidário em prol dos partidos políticos e o relator da reforma política, o mesmo que queria impedir prisões de políticos oito meses antes das eleições e doações de campanha ocultas, declara que o valor é ínfimo perto dos bilhões da Lava Jato. Além disso, é proposto o chamado distritão, que só existe em Vanuatu, Afeganistão, Kuait e Emirados Árabes, clara tentativa de prorrogar os atuais mandatos sem ouvir o povo.

Basta de impunidade e de desrespeito à nação brasileira!