Lava Jato sob embriaguez da delação
Procurador do caso Banestado critica desvios dos juízos de exceção
O artigo a seguir é de autoria de Celso Três, procurador da República em Novo Hamburgo (RS). Três participou das investigações do caso Banestado, a megalavagem de dinheiro desmontada nos anos 1990 no Paraná.
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Joesley Batista, defendendo-se das confissões que o próprio gravou e entregou a Janot, disparou: ‘conversa de bêbado’.
Há séculos, romanos contraditavam dizendo verídicos os ébrios: in vino veritas.
Prova está que, de imediato ao pedido de prisão e sem razão a constrangimento, Janot e Bottini, advogado de Joesley, partilharam mesa de bar (Folha, 11/9).
Sejam de sóbrios ou bêbados, delação em profusão não pode inebriar a investigação?
O abuso de qualquer outro meio de prova não leva a igual entorpecimento?
Outrora, esse idêntico e brilhante Ministério Público da Lava Jato em Curitiba apurava sonegação fiscal. Os alvos remanesceram por mais de dois anos sob interceptação telefônica.
Superior Tribunal de Justiça anulou a exorbitância (habeas corpus 76.686-PR).
Rogando vênia a nós cristãos, o Nazareno resistiria a dois anos desse big brother? Não seria descoberto pecadilho a que um procurador romano de então, há época sem power point, o imputasse? Quiçá affair com Maria Madalena?
A intervenção na vida de qualquer cidadão deve guardar impessoalidade e proporção, sob pena de subversão do estado de direito, qual seja, ao invés de investigar para comprovar determinado delito, devassa-se a pessoa para encontrar algum crime que permita acusá-la.
Esse é o desvio típico dos juízos de exceção.
Pior quando em cena o mundo político, cujo divisor de águas entre investigar delitos e derrubar governos eleitos é facilmente confundido pela autoridade.
Sobre a prova no processo, Malatesta: ‘a verdade é conformidade da noção ideológica com a realidade’. A prova deve espelhar a realidade, mas ideologia é a da autoridade.
Aqui, entra a delação.
Quem é o delator senão um mercenário, remunerado mediante a moeda da impunidade, à caça do delito alheio?
Ante um delator tem-se apenas duas certezas: a) criminoso confesso; b) deliquente impune ou sob pífias penas negociadas.
No Brasil, tivemos a gratificação faroeste, premiação a policiais no enfrentamento com a delinquência.
A delação é uma gratificação, além da impunidade às vezes também em dinheiro, dependendo do acordo o infrator remanescendo com parcela do produto do crime, para que um delinquente aponte outro.
Eis a peculiaridade da delação. É uma troca. Impunidade pela possibilidade de punição.
Seu efeito dominó faz do meio, a delação, o suicídio do fim, a sanção.
Na sentença que Sergio Moro condenou Palocci e outros 12, 10 eram delatores.
Agora, o próprio converteu-se à delação.
Combate-se a máfia perdoando Al Capone?
Palocci o 1º ministro da República, da fazenda e da chave do cofre, italiano da Odebrecht, não é o capo, pode ser despenalizado?
Corrupto assumido, Sérgio Machado foi aquinhoado com prisão domiciliar em paradisíaca praia (Folha, 17.6.16). Em troca, gravou Jucá, Renan e Sarney.
Janot pedira prisão preventiva deles e agora concluiu que sequer qualquer delito houve.
Fiasco.
Delação é passagem de nível em busca dos capos, pontual e subsidiária, onde todos os demais meios de prova naufragam.
Não é cardume. São alguns peixes entregando os tubarões.
Odebrecht apresentou 78 delatores, centenas de depoimentos espetaculosos em audiovisual.
Houve o primor da bolsa delação, pagamento da empresa a que subordinados, em prol dos patrões, assumissem-se corruptores (Folha, 28.8.16).
Quantos delatados? Ninguém sabe.
Apenas de agentes públicos foram mencionados 415, sem contar lobistas, empresários, doleiros, laranjas e demais.
Quantos investigados e qual a idoneidade da prova colhida?
Própria Polícia Federal atesta total precariedade (Folha, 31.7.17). Quando da divulgação, sempre ferindo a lei que prevê sigilo da delação até apresentação da denúncia, previ esse desdobramento (Folha, 17.3.17).
Igualmente, Joesley, entronizado a justiceiro da República, jactando-se de suplantar Odebrecht, comprando 1,8 mil políticos.
Entrementes, ícones da Lava Jato em franca campanha de deslegitimação da representação política, dizendo-o ‘apodrecido’, Câmara dos Deputados uma ‘organização criminosa’, reforma política um ‘golpe’, etc.
Essa tresloucada metralhadora alvejando o mundo político é desastrosa à Nação, dilapidando a economia, projetos de estado, os investimentos e os empregos.
Então, como agir? Reproduzir o mensalão.
Sem delação e reverberação dos efeitos colaterais, cirúrgico.
Isto espera-se da nova PGR Raquel Dodge, seja cirurgiã precisa, de forma a extirpar a doença da corrupção sem, sob pena de vitória de pirro, ainda mais debilitar o doente, o Brasil.