José Dirceu, crime e castigo

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Moro, Dostoiévski e a esperança“, o artigo a seguir é de autoria do juiz federal Tarcísio Corrêa Monte. (*)

***

Há mais ou menos um ano, numa noite sem sono, após terminar “Crime e Castigo”, comecei a ler uma breve biografia de Dostoiévski. Nesta se mencionava que, aos 28 anos de idade, o romancista russo havia sido detido, em abril de 1849, sob acusação de conspirar contra o Czar Nicolau I. Dostoiévski passou então oito meses em uma fortaleza.

Nesse período, prosseguiram as investigações encerradas em setembro de 1949, quando estas foram enviadas ao Czar, o qual ordenou a abertura de um tribunal para julgar, sob leis marciais, 28 acusados. Estes, incluindo Dostoiévski, foram condenados, em novembro, à pena capital por fuzilamento.

Em dezembro, os prisioneiros foram levados então ao lugar da execução, onde suas sentenças foram lidas ao público. Três integrantes do grupo foram atados aos postes diante do pelotão de fuzilamento. Dostoiévski era um dos seguintes. Já no pátio, antes da ordem para a execução, chegou um comando do Czar para que a pena fosse convertida em prisão com trabalhos forçados.

Dostoiévski, ‘saved by the bell’, então cumpriu quatro anos de prisão na Sibéria, e após ser solto, passou a conceber a vida de um modo muito diverso de antes, começando
uma jornada de mudança literária e existencial que estaria concluída com sua volta a São Petersburgo anos depois, onde viria a publicar suas obras-primas (1866 – “Crime e Castigo”, 1869 – “O Idiota”, 1881 – “Os Irmãos Karamazov”) vindo a alterar para sempre a literatura mundial, graças ao perdão concedido pelo monarca poucos anos antes. Finda então esta leitura. fui dormir.

No dia seguinte, pela manhã, saindo para o trabalho, eu encontrei um vizinho na porta do elevador. Sempre educado, este me disse algo inesperado, dada nossa falta de intimidade:

– “Você é juiz, não é? E esse Moro aí? Podemos confiar nessa Lava Jato? Sinto orgulho de ser brasileiro ao ver o trabalho dele”.

Eu, ainda absorto pela preocupação com o trânsito congestionado que enfrentaria ao sair naquela hora, respondi:

– “Sim, podemos confiar. Conheço-o pouco. Somente dos encontros de juízes criminais. Mas é muito técnico e competente”.

Chegando já à garagem do prédio, nos saudamos, mas fui para o trabalho com uma sensação boa, com um sentimento de que talvez algo na percepção do brasileiro e em sua confiança no país estavam começando a mudar.

Nessa época, a sensação de que as instituições brasileiras tinham um novo vigor foi reforçada quando José Dirceu, ex ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, foi condenado a 20 anos e 10 meses de prisão em regime fechado pelos crimes de corrupção passiva, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro por seu envolvimento nos fatos investigados pela Lava Jato.

Em 2013, Dirceu já havia sido condenado a sete anos e 11 meses de prisão no julgamento do mensalão pelo crime de corrupção ativa. Ele foi então preso em novembro daquele ano e transferido para o regime domiciliar em novembro de 2014, no qual permaneceu até ser preso pela Lava Jato em agosto de 2015.

Moro havia decidido por sua prisão e argumentado que mesmo durante o julgamento do mensalão, diferentemente do alterado e arrependido gênio da literatura russa, o ex-ministro continuava recebendo propina e, portanto, reiterando em conduta criminosa.

Nesse contexto todo, sem muitos motivos aparentes para felicidade, vivendo o país um cenário de corrupção endêmica, envolvendo vários escalões do governo, Rio de Janeiro sitiado e Presidente denunciado, o TRF-4 confirmou a condenação do ex-ministro José Dirceu na Operação Lava Jato e aumentou sua pena para 30 anos e 9 meses de prisão, reforçando talvez a esperança do meu vizinho e de todos nós brasileiros na Justiça em nosso país, e a crença de que o Poder Judiciário possa prender os culpados e absolver os inocentes, sem importar o partido a que pertençam. Talvez seja mesmo o momento de se acreditar.

Como já escreveu o admirador de Dostoiévski e aclamado vencedor do Prêmio Nobel, Ernest Hemingway, em “Por quem os sinos dobram”: “a tristeza é como a neblina. Com o nascer do sol, ela se dissipa.”

Assim também o Brasil: novas faces, novos Moros poderão servir de orgulho e esperança para a nossa nação.

———————————

(*) O autor é Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla – Espanha.