Gilmar anula processo contra Ângela Catão
No espaço de seis meses, ministro revê duas decisões que impediram durante sete anos abertura de processo pelo CNJ.
O ministro Gilmar Mendes anulou, nesta quinta-feira (19), decisão do Conselho Nacional de Justiça que determinara a abertura de processo disciplinar contra a desembargadora Ângela Catão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para apurar indícios de favorecimento em decisões quando a magistrada era juíza federal em Belo Horizonte.
É a segunda vez, no espaço de seis meses, que o ministro revê deliberações de sua autoria, o que impediu durante sete anos a instauração de procedimento no CNJ contra a magistrada por suposta falta funcional.
As suspeitas contra a juíza foram levantadas durante a “Operação Passárgada”, deflagrada em 2007 para apurar a liberação indevida de parcelas retidas pelo INSS do Fundo de Participação dos Municípios.
No último dia 6, o CNJ aprovou voto da conselheira Maria Tereza Uille e restabeleceu uma decisão de 2010, quando o então relator do caso, conselheiro José Adônis Callou de Araújo Sá, vislumbrou indícios de que Ângela Catão teria proferido decisões judiciais em afronta à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
A reabertura do caso foi possível porque, em abril deste ano, Gilmar Mendes cassou a liminar que ele mesmo havia deferido em mandado de segurança impetrado pela magistrada para suspender a instauração do processo no CNJ.
Nesta quinta-feira, o ministro acolheu recurso [agravo regimental] interposto pela juíza contra sua decisão anterior de negar seguimento ao mandado de segurança.
A magistrada alegou que a decisão do ministro “não enfrentou a alegação de que o CNJ, ao acolher o pedido de revisão disciplinar, teria realizado, na verdade, juízo recursal”.
Gilmar Mendes afirmou: “após detida análise dos autos, entendo que assiste razão à agravante” [a juíza Ângela Catão].
“O fundamento para o acolhimento do pedido de revisão disciplinar pelo CNJ consiste, em síntese, no fato de que a decisão do TRF da 1ª Região, de arquivamento do procedimento avulso, foi precipitada e contrária à evidência dos autos, sem aprofundamento da apuração dos graves fatos noticiados, diante da existência de indícios suficientes de prática de atos com aptidão, em tese, para caracterizar infração disciplinar”.
Segundo o ministro, “o voto do relator no TRF da 1ª Região, acolhido à unanimidade naquela Corte, considerou de forma fundamentada todos os fatos objetivamente apontados como objeto de investigação”.
“Cada fato foi descrito, cotejado com os esclarecimentos da impetrante e avaliado de forma individualizada, tendo-se concluído, com apoio nos elementos colhidos na investigação, que não estariam configurados ilícitos por parte da ora impetrante”.
Ainda segundo o relator “há que se ressaltar que o devido processo legal foi estritamente observado no âmbito do procedimento avulso que tramitou perante o TRF da 1ª Região, não havendo qualquer ilegalidade na atuação daquela Corte”.
“Assim, observa-se que a decisão do CNJ reconhece a análise dos fatos exercida pelo TRF-1ª Região, mas diverge quanto à forma e a dimensão de sua apreciação jurídica, configurando verdadeiro juízo recursal, hipótese não admitida no âmbito da revisão disciplinar”.
O ministro destacou que “o próprio CNJ, em casos semelhantes ao presente, tem assentado a impossibilidade da utilização da revisão disciplinar como sucedâneo recursal”.
Incidentes processuais
A tramitação do mandado de segurança, em 2010, foi marcada por incidentes. Gilmar Mendes deferiu a liminar sem ouvir a autoridade impetrada (CNJ) nem o fiscal da lei (MPF/PGR).
Um dos fundamentos da liminar foi a “repercussão negativa” que a investigação disciplinar poderia ter para a juíza. Mas a imprensa já havia registrado que o Ministério Público Federal havia denunciado ao Superior Tribunal de Justiça, como envolvidos na Operação Passárgada, os magistrados Ângela Catão, Francisco de Assis Betti e Weliton Militão dos Santos.
O processo no STJ também registrou incidentes que dificultaram o “bom andamento das investigações”. O relator, ministro Nilson Naves, determinou a supressão de trecho da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal que mencionava sua presença na posse de Ângela Catão no TRF-1.
Na liminar, o ministro mandou intimar o MPF, o que não aconteceu. Em 13/7/2015, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu vista dos autos. Gilmar Mendes levou quatro meses para atendê-lo.
Em maio de 2016, Janot devolveu os autos com parecer contra o pedido da juíza. Opinou pela instauração de revisão disciplinar, porque havia “indícios suficientes de condutas incompatíveis com os deveres impostos à magistratura”. Gilmar Mendes levou quase um ano para incluir o caso na pauta da 2ª Turma.
Quando concedeu a liminar, Gilmar Mendes entendeu que “o TRF da 1ª Região teria apurado de forma aprofundada os fatos, sem contrariedade à evidência dos autos”.
Em abril deste ano, ao rever sua decisão, afirmou: “Não verifico qualquer ilegalidade em haver o CNJ determinado a abertura de procedimento administrativo a fim de apurar o ocorrido, ao entender pela existência de evidências não enfrentadas pela decisão administrativa do TRF, ou, pelo menos, ao vislumbrar que os fatos não foram apreciados com o aprofundamento necessário”.
Consultado nesta sexta-feira, o advogado Alberto Pavie Ribeiro, que representa a magistrada, preferiu não comentar a decisão de Gilmar Mendes que anulou a decisão do CNJ de instaurar processo disciplinar contra a magistrada. (*)
(*) Com acréscimo de informações às 12h45.