Rosa Weber condena a “escravidão moderna”
Relatora das ações contra a portaria do Trabalho já divergiu de Marco Aurélio, ele também oriundo da Justiça Trabalhista.
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A ministra Rosa Weber, relatora no Supremo Tribunal Federal das duas ações que pedem revogação da portaria sobre o trabalho escravo, tem posição firmada sobre violações do direito ao trabalho que permitem “reduzir alguém a condição análoga de escravo”.
A Rede Sustentabilidade e a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) ajuizaram Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pedindo a concessão de medida liminar para suspender os efeitos da portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017. (*)
Rosa Weber é oriunda do Tribunal Superior do Trabalho. É exemplar o voto em que divergiu do ministro Marco Aurélio Mello, ele também ex-ministro do TST, durante julgamento realizado em 2012. (**)
Marco Aurélio havia acolhido as alegações de que não se pode “associar eventual descumprimento da legislação trabalhista com trabalho escravo”. Rosa Weber sustentou que a “escravidão moderna” é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos.
“Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno”.
Ainda segundo ela, “a violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa ‘reduzir alguém a condição análoga à de escravo’”.
O STF decidia sobre denúncia pelo crime do art. 149 do Código Penal (reduzir alguém a condição análoga à de escravo) oferecida perante a Justiça Federal de Alagoas contra dirigentes da empresa Laginha Agroindustrial.
A denúncia foi amparada em fiscalização Ministério do Trabalho e Emprego, em fevereiro de 2008, em canaviais no município de União dos Palmares/AL.
Segundo a fiscalização, foram encontrados cinquenta e três trabalhadores em condições irregulares.
Eis algumas situações verificadas: alojamento de trabalhadores sujo, sem ventilação adequada, sem colchões; água disponível apenas em torneiras; falta de mesas e cadeiras para refeições, de equipamentos de proteção e de primeiros socorros; transporte em ônibus precários, e não fornecimento de condução para o retorno dos trabalhadores às residências durante as folgas.
Segundo a fiscalização, “o que encontramos configurava um quadro de profundas agressões aos direitos humanos dos trabalhadores, além de ser um flagrante desrespeito a vários dispositivos legais promulgados com o objetivo de propiciar garantias mínimas aos direitos humanos laborais”.
Ainda segundo depoimentos de trabalhadores, não seriam pagas as horas extras ou adicionais noturnos, a comida seria ruim, não haveria banheiros, faltaria água para beber nos canaviais, e ocasionalmente os salários seriam pagos com atraso.
A defesa alegou que, posteriormente à fiscalização, foi feito acordo na Justiça do Trabalho, para regularizar a situação. Argumentou também que não foi instaurado prévio inquérito policial.
Rosa Weber, a título de exemplo, disse acreditar que eles não persistiriam trabalhando em condições degradantes ou exaustivas se dispusessem de alternativas. “Ser escravo é não ter domínio sobre si mesmo”, afirmou.
“Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Mas se a afronta aos direitos assegurados pela legislação regente do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois conferido aos trabalhadores tratamento análogo ao de escravos, com a privação de sua liberdade e de sua dignidade, mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir”, votou a ministra.
“Parafraseando célebre decisão da Suprema Corte norte-americana (Brown v. Board of Education, 1954), na abordagem desse problema, não podemos voltar os nossos relógios para 1940, quando foi aprovada a parte especial do Código Penal, ou mesmo para 1888, quando a escravidão foi abolida no Brasil. Há que considerar o problema da escravidão à luz do contexto atual das relações de trabalho e da vida moderna”.
Ainda segundo a ministra, “não se trata, portanto, de procurar ‘navios negreiros’ ou ‘engenhos de cana’ com escravos, como existiam antes da abolição, para aplicar o art. 149 do Código Penal.
A interpretação sobre “escravidão moderna” é favorecida pela redação atribuída ao art. 149 do Código Penal pela Lei n.º 10.803, de 11.12.2003:
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.”
Rosa Weber concluiu: “para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessária a coação física da liberdade de ir e vir, ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima ‘a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva’ ou ‘a condições degradantes de trabalho’, condutas cuja presença deve ser avaliada caso a caso”.
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