Janot negou pedido de agência no último dia como PGR
No último dia em que atuou como procurador-geral da República, Rodrigo Janot despachou processo polêmico, controvérsia que o acompanha desde 2013, quando disputou o cargo pela primeira vez.
Janot não deixou para sua sucessora, Raquel Dodge, um recurso da agência de comunicação Oficina da Palavra, de Brasília, que mantém litígio com o Ministério Público Federal na esfera administrativa e na Justiça.
A agência foi contratada, em dezembro de 2014, sem licitação, por notória especialização, para “implantar mecanismos de governança” e “melhorar o diálogo” entre o gabinete de Janot, os procuradores e servidores do MPF.
A contratação provocou efeito contrário. Criou um clima de animosidade interna e estimulou o corporativismo. Alegou-se que a Secretaria de Comunicação (Secom) desenvolvia projetos com o mesmo objetivo.
Houve resistência de servidores, que levantaram suspeitas sobre vazamentos de informações da Operação Lava Jato naquele período.
O contrato, no valor global de R$ 605,9 mil, foi rescindido unilateralmente, por suposto descumprimento de cláusulas e prazos –que a empresa contesta.
Ao limpar as gavetas, em setembro, Janot negou novo pedido da agência para anular uma multa de R$ 39,5 mil e encerrar a disputa.
Penalidade suspensa
Em parceria com a Escola Superior do Ministério Público da União, desde 2008 a Oficina da Palavra realiza mídia training para procuradores, promotores e assessorias de comunicação do MPU em todo o país. Tem clientes no setor privado e em órgãos do Executivo e do Judiciário.
O advogado Rafael Favetti, que representa a agência, diz que “a contratação da empresa Oficina da Palavra com a Procuradoria Geral da República foi feita de maneira lícita, legítima, e buscou dar o conteúdo de eficácia para o setor de comunicação daquele órgão”.
A Oficina da Palavra sustenta que o Tribunal de Contas da União, a Procuradoria da República no Distrito Federal e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) comprovaram a ausência de qualquer irregularidade. Reclama que não recebeu pelos serviços prestados.
Na Justiça, a agência atribuiu à administração da PGR a responsabilidade pelo atraso dos serviços. Transcreveu trechos de gravação com afirmações de gestores do contrato isentando a empresa pelo não cumprimento dos prazos.
Em agosto deste ano, a agência obteve liminar, concedida pelo desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, suspendendo provisoriamente a execução da multa. Um ano antes, o juízo de primeiro grau negara pedido semelhante, por não vislumbrar ilegalidade ou vício no processo administrativo.
A agência chegou a ser punida com suspensão temporária de licitar e contratar com a PGR, sanção reconsiderada por Janot.
Com base em parecer jurídico da PGR, Janot decidiu que, ao optar pela ação judicial, a empresa renunciara à discussão na esfera administrativa.
Cabe à Advocacia Geral da União eventual recurso da liminar.
Antecedentes da disputa
Em março de 2013, a Folha revelou que uma jornalista da agência atuou como assessora de comunicação de Janot na campanha para suceder a Roberto Gurgel. O fato gerou críticas de outros candidatos.
“Eu não tenho apoio de qualquer assessoria externa de relações públicas ou do que quer que seja. Nem consigo imaginar uma coisa dessas”, disse a subprocuradora-geral da República Sandra Cureau. A subprocuradora-geral Ela Wiecko considerou “inadequado a qualquer servidor público dever favores a uma empresa privada”.
Janot minimizou. “É pueril imaginar que um procurador da República ficaria devendo favores a uma empresa ou a uma pessoa por conta deste tipo de serviço”. “Busquei ajuda de profissionais de comunicação para tornar essa relação a mais transparente e tranquila possível”, afirmou, na ocasião.
A celebração do contrato com a Oficina da Palavra ocorreu um ano e dez meses depois.
A resistência interna também alcançou o jornalista Raul Pilati, nomeado por Janot para o cargo de secretário de Comunicação.
Pilati foi diretor da In Press Porter Novelli, que formou joint venture com a Oficina da Palavra em Brasília. Ele saiu da In Press no dia 28 de janeiro de 2015 e foi nomeado pelo MPF no dia 3 de fevereiro de 2015.
Deixou a PGR em junho de 2015. Janot elogiou seu currículo e lamentou publicamente sua saída.
O Tribunal de Contas da União entendeu que não houve conflito de interesses na nomeação de Pilati, que não atuou como gestor ou fiscal do contrato.
Polêmica no Senado
Em março de 2015, servidores da área de comunicação social do MPF protocolaram uma “Carta ao procurador-geral da República“, revelando “inquietação” e “perplexidade” com “o descontrole sobre as informações decorrentes da Operação Lava Jato, que redundaram em vazamentos”.
Queixaram-se do “tratamento diferenciado que se tem concedido a determinadas empresas de comunicação”.
No dia 30 de abril de 2015, a agência pediu à PGR, sem sucesso, a rescisão amigável do contrato. Afirmou que, entre os signatários do manifesto estavam coordenadores que fiscalizariam o seu trabalho.
A carta foi usada por parlamentares alvo da Lava Jato. Em agosto de 2015, o senador Fernando Collor (PTB-AL) desferiu ataques a Janot durante a sabatina no Senado. Collor acusou Janot de ser “catedrático em vazar informações”.
“Nego que seja um vazador contumaz. Sou discreto, não tenho atuação midiática”, respondeu Janot, esquecendo que, na época, foi fotografado segurando um cartaz com os dizeres “Janot vc é a esperança do Brasil”.
OUTRO LADO
“A higidez do processo licitatório foi verificada e aprovada por órgãos externos, tais como o Tribunal de Contas da União”, afirma Rafael Favetti, advogado que representa a Oficina da Palavra.
“O que está pendente ainda é uma divergência sobre fatos: a completa ou não entrega do objeto do contrato. Evidentemente, a defesa da empresa acredita piamente que todo o objeto do contrato foi devidamente entregue, tanto que a questão em si está judicializada”, diz Favetti.
Em outubro de 2015, o TCU concluiu que não havia “indícios de irregularidade” no contrato e atestou a “legitimidade dos valores gastos”.
Em nota enviada à Folha, a Oficina da Palavra informa que “a ausência de qualquer irregularidade contratual também foi comprovada pela Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)”.
“Diante do arquivamento de todos os processos pelos órgãos de fiscalização e controle, fica definitivamente comprovada a lisura da contratação, apesar dos prejuízos financeiros e de imagem que a empresa sofreu”, afirma.
“Não obstante o fato de não ter recebido a remuneração pelos serviços prestados e atestados, a Oficina da Palavra buscou na Justiça a reversão de multa e o pagamento devido. A multa foi suspensa por liminar na Justiça Federal.”
Ainda segundo a empresa, “houve muita resistência dos servidores internos da área de comunicação, porque o processo de profissionalização exigia dinâmicas com as quais os servidores não estavam familiarizados”.
Em abril de 2015, a agência solicitou rescisão contratual “em razão de não encontrar condições para execução do objeto de sua contratação”.
“O clima de resistência à profissionalização culminou em carta dos servidores internos, que foi usada como fundamento de pedido de informações por parlamentares. O jogo político é variável que a Oficina da Palavra não tem qualquer controle”, afirma a nota.
O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-secretário de Comunicação Raul Pilati, procurados, não se manifestaram.